mercoledì 5 novembre 2014

Um lugar luminoso para onde voltar

Ter a mente descontrolada é como guiar um carro em alta velocidade na estrada sem haver carta de habilitação, sem ter experiência prática e sem direção predefinida.
Pensamos de maneira natural achando isso a coisa mais normal do mundo, sem nos darmos conta de que os pensamentos que emitimos são pensados a partir de uma série de condicionamentos constituídos na resolução pregressa de problemas, seja na presente experiência dimensional ou em outras já vividas.
As formas e os conteúdos do pensar foram construídos em situações datadas e dentro de uma percepção limitada à nossa condição evolutiva de outrora. Porém, essas formas e conteúdos do pensar acabaram por constituir um padrão que nos escraviza, e se não estabelecermos um programa sistemático de questionar não apenas as ideias alheias, mas principalmente as nossas, não teremos a mínima condição de estabelecer uma ação crítica sobre o próprio pensar.
Estudar as crenças e valores que norteiam nossos pensamentos com criticidade e aporte de teorias oriundas de variadas fontes é adquirir a tal carta de habilitação; aplicar tais conhecimentos novos na análise das próprias ações norteadas pelos pensares é fazer o autoexame dos próprios pensamentos, é desenvolver a experiência prática no exercício de um pensar inteligentemente acionado, e não naturalmente mecanizado. A direção predefinida é o início, o meio e o fim... só quando nos damos conta do caos estabelecido no nosso pensar é que percebemos que vamos ao sabor das ondas, que estamos à mercê das circunstâncias; só aí é que nos percebemos sem direção; e no caminho de busca por entender melhor as formas e o conteúdo do nosso pensar é que vamos constituindo a direção, que a vamos escolhendo, ou melhor, talvez, é aí que a direção vai se desvelando como uma contradição, um destino escolhido, quase como uma verdade metafísica que só se revela na profunda experiência do mergulho do ser no fazer no mundo, na existência terrena.
Ao constituirmos um novo pensar acabamos por ter domínio de nossas próprias experiências e isso proporciona que a direção se revele nas relações que estabelecemos com nós próprios, com os outros, com o mundo, enfim, com a Vida.
No caos reconhecido encontraremos as sementes da ordem do pensar, não uma ordem limitadora mas um ordenar de liberação, um domínio de instrumentos inimaginados que nos permitam novas expressões sob novas crenças e novos valores.
Nao creio que a aquisição de um pensar mais consciente seja uma conquista perene e manifestada diuturnamente; creio no desejo de sobrevivência das velhas formas e dos velhos conteúdos que nos espreitam como seres animados a nos torturarem com promessas de sofrimentos, de culpas, de traumas, diminuindo a força da mudança em virtude do orgulho ferido, de um ego que urla na jaula do individualismo e da supremacia do egoísmo. Essas horas das dúvidas e dos inconformismos com a diferença são os estertores dos velhos pensares que precisamos, não matar, mas transmutar, fazer a alquimia do passado, aproveitando as antigas substâncias para a constituição de novos elementos mais adequados às novas formas e conteúdos do pensar.
A resposta mais adequada a esse embate do novo e do velho dentro do nosso pensar, ao meu ver, só pode ser dada pelo Amor, não falo dos sentimentos baratos que nomeamos amor, mas aquele senso de pertencimento no Todo, aquela empatia súbita com a alegria e as dores humanas e não humanas. O Amor é aquele lugar luminoso para onde voltar das refregas, das lutas, dos embates mentais que nos dilaceram, nos escravizam e nos torturam; o Amor é a metafísica última na sua única verdade do encontro do que há de Um em cada um e em todos ao mesmo tempo; o Amor é a única coisa que nos une, que nos pode unir, que nos pode iluminar e demonstrar a necessidade de novos pensares que sustentem a aproximação e a identificação na diferença.
Ter velhos pensamentos em confronto com novas realidades é que nos fazem sofrer; sinal de que precisamos rever as ideias para termos novas percepções sobre a realidade, e daí constituirmos novas crenças. Ao enfrentarmos com decisão o domínio de nosso pensar nos asseguramos de que temos um lugar luminoso para onde voltar: o olhar ansioso por atenção; as mãos abertas em súplica; os braços estendidos para o carinho, seja em qual dimensão for e com quaisquer que sejam os seres, sencientes ou não. Para esses lugares é que vamos quando nos despimos do pensar preconceituoso, preconcebido. 
Rever nossos pensamentos só pode nos enviar para um futuro-presente de Luz na comunhão dos diferentes que se fazem iguais na limpidez sem preconcepções. Rever conscientemente os pensamentos e suas formas é ter uma direção luminosa que só valide pensamentos que nos façam mais irmãos .

venerdì 26 settembre 2014

Extinção do currículo disciplinar

A motivação para a escritura do presente texto proveio da leitura de um post de um brilhante ex-aluno no facebook ( https://www.facebook.com/rafael.delimaoliveira/posts/985044434855081?comment_id=985633368129521&offset=0&total_comments=8&notif_t=feed_comment_reply ) e a provocação de uma amiga e ex-aluna para que eu me manifestasse.
O texto da postagem discute a reformulação do currículo escolar brasileiro. O autor discorre de maneira crítica e profunda, e, entre suas várias colocações se manifesta favorável a um currículo não disciplinar, nominalmente se referindo à extinção das disciplinas filosofia e sociologia da grade do Ensino Médio.
Eu tenho fortes vínculos com a concepção deweyana de educação, e, portanto, creio na eficácia de um currículo baseado em experiências nascidas de projetos construídos por alunos com a orientação de professores. Creio firmemente que as experiências da Escola da Ponte e da Amorim Lima, bem como da Escola Laboratório de John Dewey, atestam a possibilidade real de se produzir educação de maneira legítima e firmemente calcada no interesse particular e associado de pessoas inteligentes que interagem no ato de ensinar-aprender, independente da existência de um currículo disciplinar.
O currículo escolar brasileiro é imenso em termos de disciplinas e de conteúdos, com privilégios em carga horária para algumas delas, além de haver uma forte direção legal para a orientação dos objetivos, habilidades e competências descritos como ideais para a formação do cidadão e o domínio dos conhecimentos universais, notadamente exagerados na expectativa que acaba sendo um ideal com pouca capacidade de alumiar o trabalho docente na realidade da sala de aula, seja pública ou privada.
Por força desse post eu me entreguei a reminiscências escolares e, de verdade, procurei elencar o que aprendi na escola. Minha educação formal proporcionou muito conhecimento interpessoal, aprendi muito acerca das relações humanas; a escola permitiu que eu conhecesse pessoas interessantíssimas que me apresentaram músicas e músicos, leituras inquietantes, possibilidades de trabalho, novas religiosidades, caminhos políticos e experiências de amor e liberdade. Entre as pessoas distingo muitos professores, bibliotecários e colegas dos bancos escolares. Meus horizontes foram alargados e pude entrever um mundo para além dos limites familiares. Encontrei pares e parceiros que sem a escola formal não teriam atravessado meu caminho e eu teria, com certeza, me estreitado entre os universos de meu bairro e do centro da cidade onde trabalhava em um escritório. Realmente o currículo disciplinar em si pouco me proporcionou em aprendizagem.
Os conhecimentos atinentes às disciplinas só se tornaram realmente conhecidos quando atrelados aos meus interesses específicos, às minhas experiências emocionais, quando atingiram profundamente meus desejos de me constituir como pessoa participante do mundo e como subjetividade que se reconhecia, pouco a pouco, como alguém que pensava de maneira particular e com lances de intersubjetividade, de possibilidades de comunicação com outros seres da mesma espécie, da mesma ou de outras culturas.
Penso que a construção do real se dá num diálogo crítico constante com o ideal. Assim o fizeram Dewey, Paulo Freire, Anísio Teixeira e Rubem Alves, os mais importantes no meu referencial teórico. Como teóricos tiveram o privilégio de construir concepções mais radicalmente posicionadas, numa ação de desconstrução do pensamento vigente com vigor, clareza e profundidade de argumentos apaixonados e iluminadores de novos caminhos; agiram como profetas que apontavam para novos mundos mais acolhedores para a inteligência humana. 
Porém, os que tiveram que se imiscuir nas instituições educacionais organizadas, estabeleceram pontes entre a teoria e a prática convencional, afinal, no interior dos estabelecimentos de ensino e dos órgãos administrativos e de avaliação, militam pessoas das mais variadas tendências pedagógico-filosóficas. Para construir novas formas de educar dentro do estado de direito, dentro da sociedade organizada, foi necessária uma aproximação por fases adaptativas de ações intermediárias, afinal, teoria na cabeça de um pensador profissional não entra no dia-a-dia de um professor por osmose. A reconstruçao de um percurso de pensamento e de ação cotidiana não se faz por decreto, a não ser que se aja de forma autoritária, impingindo aos outros aquilo que foi esquematizado brilhantemente entre quatro paredes.
Seja por ação ideológica, por imposição burocrática ou por força física, não se convence ninguém a pensar e agir segundo a convicção alheia. Cada um age no limite entre o que pensa e o que querem que faça. Professores diariamente fazem um meio termo entre atender à orientações legais, determinações administrativas e sua própria concepção e filiação a determinada escola pedagógico-filosófica.
Eu gostaria de ver acontecer em massa a escola sem currículo disciplinar, mas quem saberia fazê-la? Quem saberia dirigir uma escola por projetos? Ou melhor, quantos a desejariam comigo? Na Escola da Ponte e na Amorim Lima as coisas aconteceram porque os educadores envolvidos acreditavam na proposta, estudaram e discutiram juntos, enfrentaram associadamente as dificuldades e o coro e o terrorismo burocrático dos " do contra". A escola sem currículo disciplinar só nascerá quando as pessoas da sociedade brasileira a desejarem, sejam leigos, educadores, políticos, intelectuais e a classe empresarial. Nao se formam homens fora da sociedade, nao há um mundo ideal onde se fazem pessoas; pessoas nascem do cotidiano, de um meio sócio-econômico, de uma cultura determinada, é tudo muito complexo para se resolver com o desejo de poucos.
A única alternativa que eu vejo é a construção de mais experiências com essas novas escolas, nascidas dos desejos de educadores que se encontram e se organizam para exigir do poder público o direito de viverem suas experiências de mudança. A multiplicação de experiências da visibilidade e legitimidade para as ideias e apaixonam muitos que à elas se associam e por elas lutam.
Tendo em vista o imaginário constituído por pais e professores, por representantes da política, da Academia e da economia, todos atrelados, conscientes ou inconscientes, aos interesses neoliberais, penso que é óbvio que não haja desejo em se constituir imediatamente uma escola realmente interessada em formar um indivíduo que pense com propriedade e autonomia consciencial. Entao, como alternativa mediata, defendo a manutenção das disciplinas nas escolas que não desejarem a experiência radical da liberdade curricular, estimulando espaços e tempos para o trabalho incessante de pensamento e construção de experiências verdadeiramente atreladas ao desejo de mudança dos interessados envolvidos.
Quanto a uma mudança radical que extinga o sistema curricular vigente, penso que seria simplesmente abrir mão de uma conquista histórica, especialmente para filosofia e sociologia. Não há professores e alunos ideais para trabalharem com filosofia e sociologia, e com disciplina alguma. Há pessoas reais envolvidas com políticas públicas e que lutam diariamente para encontrar caminhos de realizar seus sonhos dentro dos limites determinados pelas fontes do poder, sejam elas quais forem e emanadas das instâncias mais diversas.
Quanto à eterna crítica aos pedagogos... prefiro não me pronunciar, afinal sou formada em Pedagogia, curso que fiz com paixão, e onde nasceu meu profundo desejo de ter maior fundamentação filosófica para compreender o homem que eu desejaria formar, adequado à cosmovisão à qual me filiava. Da Pedagogia fui para a Filosofia e encontrei, no Mestrado, a possibilidade real de estabelecer um diálogo entre ambas, sendo a segunda forjada pelas experiências da primeira. Só porque os homens se preocuparam em pensar sobre o conhecer é que a Filosofia nasceu, e conhecer é conceito fundamental para a educação. A Pedagogia me permitiu não ficar restrita ao minarete da Filosofia de onde se proclamam maravilhosas ideias que não encontram diálogo com o homem comum que, lá embaixo, no lufa-lufa do dia-a-dia, escuta um ribombo incompreensível. E a Filosofia me permitiu não me entregar mecanicamente aos ditames burocráticos, às orientações legais e à técnica pedagógica sem críticas. Ela me fortaleceu no sentido de compreender mais profundamento o meu ato pedagógico. Mas fundamentalmente, a Filosofia provocou mudanças na minha maneira de ensinar, e a Pedagogia, vivida, me motivou a refletir sobre as concepções filosóficas e os limites de suas expressões.
Do ponto de vista lógico entendo que há uma máquina tecno-burocrática pedagógica em ação, mas há valorosos pedagogos que pensam e atuam de maneira crítica e inovadora.
Estou aposentada, não atualizada teoricamente, e não posso falar da prática das escolas pois, em quase quatro anos, muito já se transformou, mas não me furtei ao clamor da amiga que me instou a expressar minha opinião.
Ao meu brilhante ex-aluno, só posso agradecer sua fala por ela me proporcionar o exercício da reflexão, e digo à ele, especialmente, que seu discurso é um forte elemento daquilo que acredito: é no discurso e no diálogo críticos que nascem as inspirações para ações inovadoras e audaciosas.

giovedì 25 settembre 2014

Conversando sobre "morte".

Sábado passado soube da morte de uma tia minha, cunhada de meu pai, ao mesmo tempo que meu companheiro também perdia uma tia materna. Estou aqui há três anos e três meses e, nesse período, já ocorreu a morte de 20 pessoas de meu conhecimento, entre parentes, amigos e colegas, fora mais de cinco do conhecimento de meu companheiro, sem contabilizar os famosos e importantes para a coletividade.
Lembro de sempre conversar sobre o tema morte com minha falecida avó materna, ela vivia me perguntando se iria continuar viva, para onde iria, quem encontraria, como seria... e um dia, uma prima mineira, ao acompanhar nossa conversa, falou depois comigo que achava muito tétrico o papo, e eu disse à ela que pensava ser muito salutar, afinal o fenômeno da morte, até o presente momento, é evento inevitável, e é melhor tratar com tranquilidade acerca dele do que se desesperar ao enfrentá-lo.
Sempre dizia para minha avó que quando vamos viajar nos preparamos bem, nos informamos sobre o local para onde iremos, quais objetos devemos portar, com quem nos encontraremos, onde nos alojaremos, quanto devemos despender em tal aventura. Sabemos que poderemos encontrar imprevistos, mas, em geral, partimos com expectativas otimistas. Esse era meu argumento com ela para justificar a importância da conversa sobre o evento morrer. Já que é inevitável, deve-se, na minha opinião, versar sobre ele de forma coloquial e, ao mesmo tempo, profunda. Da mesma maneira que me preparo para viagens, me preocupo em estar mais habilitada para lidar com a minha morte e das pessoas com as quais tenho vínculos, e até mesmo com a morte de desconhecidos.
Parto do pressuposto de que nada morre ou desaparece no universo, de que toda matéria é energia, de que tudo se transforma, de que há ciclos de existência, daí que o que nomeamos morte é um evento de transformação, de finalização de um ciclo.
Aquilo que se expressa como vida humana tem um aspecto material visível, mas há também notadamente uma constituinte imponderável que imprime significado à nossa expressão no mundo. Esse aspecto imponderável que podemos chamar vulgarmente de alma, consciência, espírito, mente, é indestrutível após a morte do corpo físico, mas continua a expressar-se com identidade própria para além do alcance limitado de nossa dimensão material. Podem-se utilizar inúmeras citações religiosas e científicas, metafísicas e metacientíficas para fundamentar tal concepção de morte: budismo, hinduísmo, espiritismo, kabbalah, metapsíquica, teosofia, projeciologia, conscienciologia, estudos sobre parapsicologia, EQM (experiências de quase morte) e TCI (transcomunicação instrumental), tendo como suportes conhecimentos de física quântica, astrofísica, arqueoufologia, entre tantos outros.
Chavões como "a morte é um mistério", "dela ninguém voltou para informar coisa alguma", "ninguém voltou para dar sinal de vida", demonstram um desconhecimento dos construtos teóricos e práticos acima mencionados. Há inúmeros relatos de casos e experimentos cientificamente acompanhados que demonstram a continuidade da existência humana fora do corpo físico, em vida física e após o seu término. Claro que não me referi à uma ciência restrita aos cânones acadêmicos, mas à uma ciência holística e interdependente que dialoga sem escravizar-se às regras cartesianas, aos aspectos da linearidade, da repetibilidade mecânica de fenômenos controlados, os quais tem seu mérito em determinados contextos, mas sem validade universal para todos os eventos estudados.
Quando se fala em comprovação da vida após a morte física, pensa-se em termos de um sujeito cognoscente que se mantém, mesmo após "morto", cognoscível aos cognoscentes "vivos"; ou seja, quem morre continua aprendendo e pode ser apreendido pelos vivos, mas, em se tratando de uma inteligência ativa, deve-se depreender que ela é também sujeito de sua manifestação, e não apenas objeto de pesquisa como um rato de laboratório recluso em uma gaiola. Não se trata de uma pesquisa que pode pautar-se por cânones clássicos da ciência moderna, mas que deve se abrir para uma perspectiva holística do objeto estudado, inclusive com a interferência do objeto que se traduz como sujeito, como vemos especificamente na TCI, onde inteligências de pessoas, humanas e não humanas, colaboram e até mesmo induzem experiências científicas para o contato e o registro de suas manifestações, comprovando a existência de outros âmbitos para a vida consciencial, que não só a dita "vida humana terrena".
Não existem definições fechadas, verdades estabelecidas e nem descrições universalistas. As informações que se obtêm em tais estudos são diversificadas, e abrem imensas janelas para se vislumbrar uma infinidade de possibilidades de vida para além dos limites de nossas percepções físicas.
Conversar sobre tal tema abre espaços mentais, favorece a constituição de sinapses que permitirão a identificação de tais ideias como habituais, que serão base para a construção de novos conceitos e novas concepções sobre a morte, produzindo possibilidades de novos caminhos para a pesquisa pessoal e a profissional. Porões escuros e fechados produzem monstros imaginários e ali não entramos com medo de travar encontros com o desconhecido. Salas abertas, iluminadas e arejadas nos permitem identificar os elementos presentes e com eles travarmos contato. Assim são as conversas sobre a morte, são janelas que permitem vislumbrar novos horizontes que são descortinados por nós e, ao mesmo tempo, construídos por nós, como verdades provisórias que nos alentam e nos sustentam em nossas experiências de "perdas" nas várias fases da vida, aqui e além.



mercoledì 24 settembre 2014

Superficialidade apontada é superficialidade não suplantada.

Há algum tempo atrás, num final de semana, fomos, eu, meu companheiro e seu filho mais novo, assistir uma fala de um monge budista tibetano, aqui próximo, em Gardone. Foi uma tarde memorável em que aprendi uma forma interessante de meditação com mobilização e exteriorização de energias, a qual pude complementar com meus parcos conhecimentos de Reiki.
Também apreciei as explicações do monge acerca dos conceitos de karma e dharma, porém, creio que a mais profunda aprendizagem adveio de uma intervenção do garoto, na ocasião com 14 anos, acerca de um comentário meu.
Tenho o grave hábito de julgar pessoas e situações, só atentando para minha leviandade depois de externar meus juízos. E, durante a palestra, eu apreendia as falas do monaco e as relacionava com meus conhecimentos anteriores, além de ter participado sinceramente do exercício meditativo com uma integração verdadeira com o movimento de energias na sala. Porém, ao largo de toda essa manifestação de espiritualidade elevada, eu, dos porões dos meus hábitos arraigados de tantas existências pregressas, também manifestava, em minha consciência, o registro da observação sobre o comportamento das pessoas, do espaço e das coisas dispostas, julgando tudo e todos.
Ao sairmos da palestra-meditação, como sempre, iniciei uma conversação com os meus dois companheiros sobre o que havíamos aprendido com a fala do monge e quais as impressões deles acerca do ambiente. Eles, como de hábito, deram opiniões monossilábicas, e eu, como boa geminiana, expressei todas as minhas ideias acerca do evento, e, para coroar meu exibicionismo, finalizei com o comentário acerca do excesso de cuidado das pessoas presentes com a aparência física, indumentária e a mise-en-scène frente ao monge, tudo muito longe do conteúdo de tudo que ali foi discutido, o que para mim indicava a superficialidade dos comportamentos.
O filho de meu companheiro, como sempre o faz, me calou fundo com um simples comentário - o que também meus filhos fazem constantemente - disse-me que, na verdade, aquelas pessoas, só por estarem ali, já estavam aprendendo algo, o que demonstrava que já estavam se abrindo para a fala do monaco e isso constituía um grande valor.
Incrível como esse italianinho que nada expressa em termos de conhecimentos religiosos, tem uma imensa religiosidade com a natureza e a humanidade, demonstrando sensibilidade e elevação moral, que eu, com todos os meus salamaleques de conhecimentos teóricos, mal sinto o cheiro, que dirá demonstrar em forma de comportamento.
Nossos comportamentos nos revelam e meus comentários dizem do que ainda vai de lixo nos porões da minha inconsciência.
Revendo esse episódio, lembrei também da fala de uma palestrante espírita, a qual relatou que foi criticada em um centro espírita, no sentido de que ela falava de humildade e se apresentava com jóias e roupas caras e elegantes. Ela disse do quanto já havia se despido dos excessos que seu meio sócio-econômico lhe haviam impingindo em sua educação, e que aquilo que a pessoa criticava já era seu momento de superação.
Julgar os outros é na verdade apontar nossos próprios defeitos ou nossas qualidades. Se aprovamos alguém é porque essa pessoa espelha o que gostamos em nós. Se desaprovamos alguém é porque essa pessoa espelha o que nos desagrada em nós mesmos.
Eu, ao julgar aquelas pessoas acerca de sua superficialidade, não observei que quem focalizava a superficialidade era eu mesma, que estava ainda tão preocupada com esse aspecto que ainda o observava; quando algo sai de nosso foco é porque já não faz parte de nossa agenda evolutiva. Se eu ainda me preocupo em observar a superficialidade, é porque eu a superei exteriormente mas ainda carrego seus fantasmas dentro de mim, das minhas identidades anteriores que ainda insistem em me arrastar para seus vícios e eu, na minha atual condição de exercício de simplicidade, ainda sinto seus apelos.
Também quem disse que se apresentar com elegância e beleza é um valor negativo? Chico Xavier dizia que o mundo já tem muitas coisas feias para que a gente ainda se apresente com desmazelo.
Enfim, nao é auto-martírio consciencial expressar todos esse percurso reflexivo, mas um auto-alerta pessoal, para eu dar mais atenção às ideias que rondam minha cabeça e que são reflexos de um passado que deve ser valorizado como aprendizado, mas descartado enquanto modos de resolução de problemas que não mais encontram utilidade na atual proposta de vida.
Ao invés de criticar aquelas pessoas como superficiais, eu poderia ter o pensamento similar ao do meu filho "adotivo", ter a generosidade de ver o esforço daqueles que se aproximam do exercício de desenvolvimento espiritual, independente de suas aparências.

venerdì 30 maggio 2014

Violência e insegurança íntima

Nos meus últimos anos vivendo no Brasil, até 2011, eu desenvolvi um comportamento que, penso eu, me levaria à síndrome do pânico ou no mínimo ao aprofundamento de neuroses; claro que estou exercendo ilegalmente alguma profissão ao fazer um autodiagnóstico, porém, a hipótese é valida. Eu trabalhava nos períodos matutino, vespertino e noturno, em dias alternados, e sair à rua era um tormento, o medo de assaltos e violência era uma constante. Meus filhos e minha mãe me alertavam que aquilo estava além da conta.
Do ponto de vista prático eu sofri, em todos os anos de vida até então, apenas quatro tentativas entre diurnas e noturnas, e ainda assim frustradas, de furto ou algum outro tipo de violência física, o que por si só já me coloca no rol dos sortudos que nada tiveram de prejuízo no âmbito discutido; mas o fato é que eu via, de longe, quando saia da universidade à noite, alunos serem assaltados e, por precaução, além de relatar o fato aos seguranças da instituição, passei a caminhar pelo meio da rua, numa atitude periculosa para mim. Andava rapidamente e com taquicardia quando alguém vinha em minha direção.
Todos os tipos de preconceitos vem à tona quando se esta em situação hipotética de perigo, todos as crenças infundadas, todo o imaginário propalado pela mídia televisiva e jornalística em geral. Vive-se imerso em um imaginário de possíveis tormentos, como numa espera de sua realização.
Depois que vim habitar em colina do Lago di Garda, passei a dormir com janelas abertas, caminhar sozinha por mais de hora por vias ermas durante o dia, e por vias escuras à noite com pessoas da família, sem medo algum. Pois justamente três anos após minha chegada, numa noite em que um familiar não fechou corretamente uma janela da sala, entrou uma pessoa durante a madrugada e levou algum dinheiro, dois computadores e algumas peças de roupas. Ironia do destino e imprevidência do excesso de auto-segurança. Aqui eles pensavam, e eu acreditava, que estávamos no paraíso.
Conclusão, agora eu fiz questão de ferrolhos reforçados nas janelas e estamos implantando sistema de alarme coligado à polícia. Veja só, venho de um país que vive índices elevadíssimos de violência, de uma cidade como Santos que une o crescimento econômico ao aprofundamento da criminalidade, sem nunca ter sofrido um evento real de furto, e acabo num suposto paraíso natural e social onde tenho a casa invadida. Perdi a inocência rsrsrssr
Por aqui, a violência logicamente existe mas era apenas vista pelo noticiário, em cidades grandes, em casos passionais ou na criminalidade sistemática das regiões da Camorra, da Mafia, da Ndrangheta, da Cosa Nostra. Onde moro, o último roubo significativo havia sido em 2000 numa joalheria. Assassinato, nenhum relato recente. Notícias apenas de um amigo da família que viu um vulto pulando a janela mas que nada furtou. Boatos de jovens que furtavam celulares no Valle delle Cartiere.
Duas questões me levaram a escrever hoje, primeiro a insegurança íntima pessoal, em segundo lugar o pensamento acerca do outro, daquele que age contra nós.
Com relação ao primeiro ponto, a insegurança íntima pessoal, penso que devo considerar a condição humana de ser exposto no mundo; o mundo em que vivemos, de sempre, apresenta situações de violência e nenhum de nós está isento de ser atingido por ela; diariamente são guerras, atentados, estupros, roubos, furtos, assassinatos, mas, principalmente, as pequenas violências de uns contra os outros, verbais e gestuais, olhares e comentários, pensamentos escusos. Penso que a violência é um comportamento humano de defesa, um resquício animal da proteção do espaço vital, vi isso por toda a minha vida profissional e familiar; analiso que, pessoalmente, toda violência emitida por mim tem sempre por fundo tal escopo, defender-me. Pretendo preservar meu ego, minhas pequenas e medíocres conquistas íntimas.
Por outro lado, entendo que a violência social gera a violência criminosa. O indivíduo que entrou em casa e se apossou de alguns objetos, tinha a premência de garantir certas necessidades pessoais, assim como meu companheiro se dirige à fábrica para sustentar a família. A diferença entre meu companheiro e o indivíduo que entrou em casa, além de óbvios valores morais, são itens hipotéticos como perspectiva de vida futura, possibilidade de projeto pessoal, educação formal e orientação familiar. Mas, principalmente, uma sociedade organizada que não dá suporte ao desenvolvimento do indivíduo com vistas à sua realização pessoal e dirigido ao Bem Comum, fomenta a violência de toda e qualquer espécie, o que sucede, com certeza, no Brasil e na Itália.
Os primeiros comentários após o furto foram acerca do outro, daquele que agiu contra nós, e foram bem discriminatórios, e isso me fez pensar em como concebemos o outro em nossa vida. Primeiro que ele não agiu contra nós, mas efetuou uma ação que, ao ver dele, era a solução para um encaminhamento de vida, não importava quem seria o prejudicado, bastava ver qual casa tinha as janelas mal fechadas. O "normal" foi culpar o elemento esquecendo que alguém na casa deu sorte para o azar. Segundo que não passou pela cabeça de ninguém que falávamos de uma situação social que se agrava dia a dia por um sistema econômico-social global que gera a massa de desconsiderados que vão cavar, mais cedo ou mais tarde,  uma forma de sobrevivência, seja ela adequada, ou não, aos nossos valore morais pessoais.
A verdade é que o outro, o nosso "inimigo", é o irmão em humanidade que não queremos ver, que desejamos seja extirpado e colocado ao largo, o mais longe possível. Eu fugia desse irmão quando dos tempos de trabalho noturno, fujo dele agora na Itália, o Brasil da Europa como dizem alguns alemães.
Uma questão relevante, além de considerar todo o contexto de forja dessa violência sistemática, é, como diz meu filho mais velho, como encontrar o diálogo necessário entre algoz e vítima, entre o eu e o outro, como encontrar um meio humanizado de intersubjetividade, de comunicação verdadeira, legítima e respeitosa, diminuindo mágoas e melindres. Se tenho dificuldades de vivenciar tal papel de abertura com os "inimigos" diários que criamos em nosso imaginário, pense em aproximações com aqueles desconhecidos que se aproximam de nós de maneiras escusas. Creio que ainda não existam soluções imediatas.
A verdade é que é mais fácil apontar para o externo, identificar os bodes expiatórios e renegar nossa parcela, talvez ainda inconsciente, com o quadro geral de violência. Realmente, do ponto de vista da ação imediata, eu nada fiz contra alguém que furta a casa, por exemplo. Porém, na medida em que compro objetos oriundos de uma economia de quase escravidão com produção de objetos à base de matéria prima contaminada, de alimentação de procedência incerta, que valorizo o trabalho não regulado, que me omito nas questões sócio-político-econômicas, que voto sem reflexão, que faço piadinhas e comentários preconceituosos acerca do outro, que constituo uma cosmovisão limitada aos meus pequenos desejos pessoais e às minhas crenças sacrossantas, que renego o diálogo que confronte meus ideais, eu também contribuo para o estado das coisas como estão.
A forma material como constituimos nossas vidas e a noosfera na qual mergulhamos acriticamente, sao totalmente de nossa responsabilidade. E penso que, ao menos, posso procurar entender a segurança íntima como uma construção pessoal e intransferível; é inalienável o direito de conceber conceitualmente o mundo como eu o queira, não como a mídia determina, não como os preconceitos ditaram. O outro não é meu inimigo, é o meu outro eu que foi se encaminhando por outras veredas e que não teve as mesmas oportunidades nem o bom senso de cavá-las nos limites do possível. Eu poderia tê-lo construído diversamente no meu imaginário e, assim, ter vivido diversamente meus temores; a violência seria lida por mim não como um simples ataque pessoal, mas num contexto complexo de amplo espectro.

lunedì 7 aprile 2014

Viver com o necessário.

Estou sem escrever há muito tempo... perdi a vontade e a reencontrei na semana passada quando assisti pelo youtube à entrevista da Adélia Prado no Roda Viva da TV Cultura. Ela tem o poder de me reerguer das cinzas... a simplicidade dela, sua autenticidade, a intensidade com que se entrega e a pura alegria de viver são cativantes... ela ali estava fazendo algo com um empenho e uma espontaneidade comoventes... o seu estar inteira ali era como uma tarefa de resgate de pessoas como eu que se abandonam em si mesmas, esquecendo dos seus ligames com a humanidade... uma atitude egoísta e esmagada pela visão que tive de Adélia Prado... me senti envergonhada de ter abandonado o blog, afinal ele é um meio de expressão e um contato com meus supostos leitores que talvez encontrem, nos meus escritos, qualquer coisa de útil.
Adélia ali, naquele círculo emblemático da intelectualidade brasileira, era toda espírito encarnado como contraposição às firulas, às importâncias que nos damos mutuamente... ela toda era a marca do necessário acima do supérfluo...
Necessário era o escrever, o sentir, o apaixonar-se, o amar, o viver, o entregar-se de corpo e alma em cada tarefa assumida enquanto subjetividade, posicionando-se na medida da sua própria autodescoberta e desvelamento significativo do mundo.
E, daí, eu pensei nas necessidades de que revisto minha vida e as das pessoas que para mim importam sobremaneira, percebendo que o que me une à elas e o que as faz serem especiais para mim é que a simplicidade é um critério marcante pras escolhas das prioridades cotidianas e dos projetos de vida de todas e de cada uma.
Viver com o necessário é fundamental. Claro que há uma variação enorme de critérios para definir o que é necessário para cada pessoa, porém, em geral, é a garantia de não exceder, de buscar qualidade, adequação e atentar para os móveis que fundamentam aquisições e ocupação de tempo.
Fazendo essa reflexão eu me dei conta de quanto eu ainda preciso redirecionar minha vida e aprofundar os argumentos para realmente empreender uma existência com base apenas no necessário.
Os excessos se dão nas palavras, nos comportamentos gestuais, nos momentos de descanso e ociosidade, na alimentação, na teorização.
Quero ser, como disse em texto passado, um traço japonês, pleno de significado e manifesto na economia da simplicidade.
Adélia era toda transbordamento sem excessos. Tudo naquela entrevista era na justa medida e na intensidade de quem vive já na mais pura expressão daquilo que escolhe ser. Na medida da possível coerência que a precariedade humana permite. Quando eu crescer como consciência quero ser assim, gente como ela.