A crise economica européia tem sido relacionada, pela midia, com o aumento significativo de suicidios, tanto na Grécia como na Italia. Muitos suicidados informam, previamente ao ato fatal, que a falta de perspectivas financeiras para manutençao da familia e das dividas bancarias empenhadas é o motivo do abandono da vida.
Eu tive, ao longo da vida, ao menos tres suicidios proximos a mim, um na minha familia, um aluno da universidade e o parente de uma amiga. Em todos os casos, sempre a falta de perspectivas frente às dificuldades diversas de ordem material ou emocional.
Sendo muito delicado o assunto, ja que envolve os sentimentos dos envolvidos com a trajetoria da vitima, nao se pode enfocar pessoas individualmente, mas tentar refletir sobre os motivos que levam alguém, qualquer um, a nao mais ver saidas para seus problemas.
Durkheim ao estudar sociologicamente o suicidio no inicio do século passado, apontava estatisticamente o aumento de suicidios entre desempregados. E entre os desempregados suicidados havia uma porcentagem grande de usuarios de alcool. E entre desempregados sobreviventes às crises financeiras, muitos eram praticantes em religioes. Pode se fazer uma arbitraria analise, os desempregados ou apelavam para o alcool ou para a religiao. E, talvez, dizer mesmo que a fé auxiliava a suportar as dificuldades, e ainda, aproximar o desempregado de grupos de auxilio mutuo.
Penso que é dificilimo se colocar na posiçao de outro. Se qualquer motivinho besta nos coloca de cabelos em pé, nos imaginemos no lugar de alguém que nao sabe como amanha enfrentara uma execuçao judiciaria motivada por uma divida bancaria nao liquidada, ou como colocara leite e pao em casa para os filhos, ou ainda ver sua casa tomada pelo nao pagamento de impostos. Situaçoes terriveis para todos e cada um de nos.
Mas o foco do meu interesse esta no aspecto mais filosofico da questao. A falta de projetos individuais, coletivos e associados que prevejam a vida humana como fator interexistencial. Penso aqui como Herculano Pires, o homem como ser interexistente, que vive ao mesmo tempo em dimensoes diversas com objetivos e açoes proprios a cada dimensao.
Enquanto nos vermos como seres exclusivamente inseridos no mundo terreno e de posse de apenas uma unica e limitada vida manifestada na personalidade presente, nossos projetos serao pequenos como serao pequenas nossas perspectivas de realizaçao.
Precisamos, todos, de realizaçao material, qual seja a manutençao da vida fisiologica, da vida social, do reconhecimento publico e da possibilidade de expressao cultural; porém, ha que se relevar também os aspectos mais metafisicos de nossas vidas, a busca do significado de nossa existencia em nosso plano dimensional, bem como o esforço em reconhecer outras dimensoes existenciais que habitamos simultaneamente e onde contatamos seres de outras naturezas. Mesmo em nossa dimensao estabelecida na Terra, ha muitas formas de vida pouco reconhecidas por nos como formas virais, flora e fauna etc. Sem contar os seres humanos de culturas e sociedades diversas das nossas muitas vezes ignorados e desprezados por nos. Nossa vida, geralmente, se limita aos contornos dos grupos familiares e de amigos, de canais de comunicaçao repetitivos e ideologicamente direcionados, seja televisao, internet, musica, livros e filmes. Dificilmente desenvolvemos a compaixao, a empatia com a dor do outro, o reconhecimento de que muitos sobrevivem apesar dos impecilhos monumentais com os quais se debatem dia a dia.
Muitas religioes, ainda hoje, também se restringem a dogmatizar em artigos de fé as respostas que os homens deveriam buscar por si mesmos. Intermediarios religiosos limitam nossa reflexao pessoal para entender melhor nossa relaçao originaria com Deus, a força criadora da vida nos universos.
A religiosidade, mais do que determinadas religioes, tem um papel fundamental no estabelecer liames entre o homem e as demais formas de vida universais; e nao penso apenas na perspectiva que eu abraço, de ordem espiritualista universal, mas reconheço também no humanismo laico e no vitalismo, por exemplo, fortes vinculos de esperança no poder do homem em associaçao. A religiosidade que fortalece laços de humanizaçao do proprio homem poderia ser um suporte para as dificuldades existenciais sofridas pelo candidato ao suicidio.
Entendendo que a vida cessa com a extinçao do corpo fisico, o suicidado tenta se livrar de uma angustia colossal, que o esmaga e lhe tira a energia para emergir do caos existencial. Infelizmente, observando por uma perspectiva espiritualista universalista, ao constatar a continuidade da existencia de tantos outros corpos como de sua propria individualidade, o suicidado encara o desespero em aumento e sofre uma sensaçao de pavor frente à negaçao da vida perpetrada e de ter abandonado aqueles que aqui ficaram sem amparo e plenos de problemas a serem resolvidos.
Considerar que o significado da vida esta para além da manutençao das necessidades expressas na sociedade capitalista implica em cultivar a transcendencia do eu egoico para um eu divino, um eu-um com o todo-universo, um eu-um com seres interdimensionais, buscar a construçao de uma vida interexistencial, a fim de que ninguém se sinta tao sozinho e desamparado que nao possa ver mais perspectivas criativas além de garantir o pao do dia a dia.
Somos projetos-pontes entre nossas experiencias passadas e as futuras agora ja idealizadas, nao ha como romper a continuidade desse processo.
Redes de solidariedade, espiritualizaçao familiar, reflexoes filosoficas constantes sobre a natureza humana e suas possibilidades de redimensionamento e praticas pessoais para uma vida interexistencial, podem auxiliar pessoas em estado de angustia existencial imediata, podem ajudar mais do que o bombardeamento cotidiano de desgraças politico-economicas que apenas dizem ao cidadao comum, "voce nao tem saida".
Existe saida sim, ressignificar nossos projetos, enfim, nossas vidas.
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