Habito na casa de meu companheiro, ele é artista plastico, jardineiro, horticultor e operario, exatamente nessa ordem, do fruir gratuito à necessidade de sobrevivencia. Passo alguns momentos com ele, apos o almoço ou ao final da tarde, sentada num banco em frente ao jardim ou numa escada para o pequeno horto organico. La ha incontaveis tipos de plantas alimenticias, entre arvores frutiferas, verduras e legumes, além das flores, agaves e cactus. Uma miscelania em um pequeno espaço que acaba por criar a sensaçao de amplitude em meio a uma explosao de cores, sabores, odores e a profusao de trabalho de insetos, lumacas e gecos, tudo num retumbante final de primavera.
Eu habitei um morro até 18 anos e tive uma infancia privilegiada com arvores, flores, colinas e lagoa. Depois fiquei restrita à cidade exclusivamente assentada em alfalto; e agora, ha um ano, retornei para um ambiente urbanizado porém mais prodigo em natureza.
Recordo sempre de uma alameda maravilhosa onde habitava uma prima de meu pai, a Hilda. Quando minha mae solicitava que eu fosse dar um recado eu amava a incumbencia, pois a rua da Hilda era de terra, havia eucaliptos em todo o percurso e, por mais sol torrido que fizesse, ao adentrar a alameda, eu penetrava num mundo de frescor, de verde intenso, com réstias de luz que passavam por entre os altos galhos das arvores e de sons tranquilizadores que o farfalhar produzia. Lembranças como essas eram como quartos onde eu repousava antes de vir morar aqui.
Agora me sinto abrigada como um bebe num utero aconchegante. Das sacadas do quarto de dormir, vejo de um lado colinas, uma estrada com arvores e casas floridas, do outro lado vislumbro uma grande montanha, um imenso lago e casas ensombradas por altas arvores. Quando é noite, um céu esplendente de estrelas.
De tudo ainda me encanta sobremaneira as noites de chuva quando deito e sinto os pingos intensos sobre o telhado e nas sacadas. Fecho os olhos e me sinto penetrar fundo num mar de pacificaçao. Se ha trovoes e relampagos, a força da natureza me extasia. Talvez eu seja filha de Iansa.
Penso em Martin Heidegger e no Caminho do Campo, nas profundas raizes que saem de nos e se alojam nas terras férteis de nossa propria ancestralidade. Como em varias telas de Frida Khalo. Frida com seus quadros e Heidegger com esse texto em particular, criaram imagens que movimentaram sentimentos. Fizeram-me reconceituar significativamente palavras. Diziam meu mundo onirico reportado à realidade dita objetiva. As coisas que penso, sinto e sonho se imiscuem todas num misto de razao e sensibilidade. Alguma coisa que é inefavel, o indizivel. Minhas raizes todas, os negros, os indios, os portugueses, os franceses, todos provaveis e todos lidos em signos indiciarios, marcas no corpo, atavismos e traços culturais.
Quando jovem nao sabia de nenhuma dessas coisas, nao sabia o valor das raizes, da importancia da preservaçao da memoria e da reverencia aos antepassados. Mas hoje, observando o movimento em torno da casa, toda a profusao de vida e de harmonia num labor intenso, sinto diariamente como se, eu com tudo, eu com todos, estivesse estendendo raizes e, daquele solo fértil, retirando meu alimento. Com se ao expandir meus galhos em direçao aos céus, eu fosse alcançar estrelas. Retornar aos meus que deram vidas incontaveis para minha propria vida e que eu estendi em e aos meus filhos.
A vida humana como continuidade da natureza; um constante recriar-se no mesmo e sempre que se renova e se expande.
Quero construir poeticamente minha existencia como um traço japones, intenso, curto e profundo. Construir significancias em silencio, como o trabalho das raizes, como a generosidade das sombras, a intensidade dos raios solares, a luminosidade estelar e o frescor dos pingos da chuva.
Nessun commento:
Posta un commento