mercoledì 5 dicembre 2012
A transição planetária e a Era de Cristal
lindas, lúcidas e inspiradas palavras abaixo e que podem ser complementadas com leituras no sítio http://somostodosum.ig.com.br/p.asp?i=13462&s=1
mercoledì 14 novembre 2012
Vale quanto pesa?
Hoje quero refletir sobre meus preconceitos intelectuais e os benefícios e os malefícios que eles me trouxeram. Com padrões muito rígidos sobre o que era importante ou não, sobre o que merecia meu tempo e atenção, sobre aquilo que me ocupava espaço mental e emocional, por um longo período do final da adolescência até um pouco mais de trinta anos, eu fazia sérias distinções entre coisas que eu reputava de alto valor e outras qualificadas como medíocres.
Um benefício de tal rigor de classificação foi me permitir conhecer clássicos de literatura, recortes específicos da história sócio-cultural, política e econômica, bem como constituir panoramas conceituais sobre a filosofia e a arte. Um malefício foi me afastar de tesouros travestidos de lixo midiático.
Eu frequentei o meu primeiro curso universitário em meio a um acirrado debate acerca da distinção entre cultura popular e cultura erudita, no esforço em clarear e ampliar o conceito de cultura, não apenas como produto elitista, mas como todo empreendimento humano para construir o mundo material e o mundo simbólico. A cultura popular como expressão verdadeira do mundo segregado das massas ignoradas pela classe opressora e de legítimo valor enquanto manifestação de origem da cultura erudita, em verdade, apreendida e reelaborada pela classe dominante. Como exemplo vemos algumas óperas trazendo cenas e enredos oriundos das classes populares numa linguagem complexa e artisticamente elaborada.
Em meio a tudo que se discutia, também surgia o pensamento acerca da destruição sistemática da cultura regional e específica de grupos minoritários e sua substituição pela chamada cultura pasteurizada... o sertanejo, o indígena, o caipira, todos direcionados em formas de viver, em vocabulário e hábitos de consumo, segundo os cânones das redes televisivas, do cinema, das revistas de divulgação de fofocas, das rádios FM.
Por outro lado, havia ainda a defesa de intervenções na formação dos intelectuais orgânicos, numa perspectiva gramsciana, para o reconstrução da cultura das classes proletárias no sentido de valorização dos seus próprios interesses, assim como o acesso à cultura científico-filosófica renegada por uma escola dualista, separatista entre ensino técnico profissionalizante e ensino humanístico científico para a burguesia.
Depois, durante meu segundo curso acadêmico, o debate enfocava a questão do que é cultura na chamada pós-modernidade. É a ideia era que se tudo era cultura e tudo tinha valor, então nada tinha valor; não se podendo mais distinguir entre o que tinha valor e o que não tinha, tudo ficava no mesmo patamar, assim, como nomeia um capitulo do livro A derrota do pensamento, de Alain Finkielkraut, um par de botas vale tanto quanto Shakespeare, ou até mais...
Tudo isso criava em mim um reforço para a distinção entre o que valia e o que não valia culturalmente. Daí que não lia Paulo Coelho, não assistia novelas da Globo, não escutava música brega ou dos novos sertanejos, não participava das triviais conversas familiares e de colegas de trabalho.
Criei uma certa bolha de convivência a que poucos "privilegiados" tinham acesso. Digo "privilegiados" em tom irônico, porque em verdade eu era execrada como pernóstica, ou seja, afetada, pedante. E era mesmo, como se eu fosse me contaminar na mundanidade.
Tudo besteira, penso eu hoje. Se todo aquele pudor intelectual me forneceu uma generosa bagagem de conhecimentos e me permitiu trabalhar com conteúdos mais complexos, ao mesmo tempo também me impediu, por um longo tempo, de criar canais de comunicação com pessoas interessantes.
Nos livros de auto ajuda, os quais tem uma linguagem simplória e um arcabouço teórico frágil, hoje encontro um conteúdo importante para o resgate psicológico, emocional e espiritual para muitas pessoas, as quais não receberiam nenhum auxílio de uma literatura mais elaborada, hermética e distanciada.
As novelas da Globo geram debates que penetram as famílias e os encontros sociais, suscitando temas e reflexões que muitas vezes são impenetráveis nos círculos fechados de certas comunidades, favorecendo diminuição de preconceitos e estimulando movimentos sociais de relevância.
Na música, seja qual for o estilo, há substanciosos exemplos de reconhecimento da realidade social e de crítica feroz, muitas vezes apenas atribuída à MPB durante a ditadura militar. Como exemplo encontramos o livro de Paulo César de Araujo, Eu não sou cachorro não, num autêntico resgate da contribuição crítica da música brega no contexto pós anos 60.
Penso hoje que, o que vale, vale porque pesa enquanto significado para cada um de nós. Onde estão as soluções para nossas necessidades e as respostas ou possibilidades de reflexão para superação das dificuldades, ali estão as coisas que têm valor. Assim Machado de Assis, Tolstoi e Dostoievski são a grande literatura e trazem um universo de temáticas humanas de profundo significado, mas com certeza, não são por todas as pessoas acessadas e compreendidas, nem ao menos os livros são enfrentados na trabalhosa arte de apreensão. Há outros que fazem viagens similares em propostas menos fatigantes da chamada baixa literatura, seja Og Mandino ou o famigerado Paulo Coelho.
Hoje, para mim, não importa, é como diz o funk, "Cada um no seu quadrado".
Um benefício de tal rigor de classificação foi me permitir conhecer clássicos de literatura, recortes específicos da história sócio-cultural, política e econômica, bem como constituir panoramas conceituais sobre a filosofia e a arte. Um malefício foi me afastar de tesouros travestidos de lixo midiático.
Eu frequentei o meu primeiro curso universitário em meio a um acirrado debate acerca da distinção entre cultura popular e cultura erudita, no esforço em clarear e ampliar o conceito de cultura, não apenas como produto elitista, mas como todo empreendimento humano para construir o mundo material e o mundo simbólico. A cultura popular como expressão verdadeira do mundo segregado das massas ignoradas pela classe opressora e de legítimo valor enquanto manifestação de origem da cultura erudita, em verdade, apreendida e reelaborada pela classe dominante. Como exemplo vemos algumas óperas trazendo cenas e enredos oriundos das classes populares numa linguagem complexa e artisticamente elaborada.
Em meio a tudo que se discutia, também surgia o pensamento acerca da destruição sistemática da cultura regional e específica de grupos minoritários e sua substituição pela chamada cultura pasteurizada... o sertanejo, o indígena, o caipira, todos direcionados em formas de viver, em vocabulário e hábitos de consumo, segundo os cânones das redes televisivas, do cinema, das revistas de divulgação de fofocas, das rádios FM.
Por outro lado, havia ainda a defesa de intervenções na formação dos intelectuais orgânicos, numa perspectiva gramsciana, para o reconstrução da cultura das classes proletárias no sentido de valorização dos seus próprios interesses, assim como o acesso à cultura científico-filosófica renegada por uma escola dualista, separatista entre ensino técnico profissionalizante e ensino humanístico científico para a burguesia.
Depois, durante meu segundo curso acadêmico, o debate enfocava a questão do que é cultura na chamada pós-modernidade. É a ideia era que se tudo era cultura e tudo tinha valor, então nada tinha valor; não se podendo mais distinguir entre o que tinha valor e o que não tinha, tudo ficava no mesmo patamar, assim, como nomeia um capitulo do livro A derrota do pensamento, de Alain Finkielkraut, um par de botas vale tanto quanto Shakespeare, ou até mais...
Tudo isso criava em mim um reforço para a distinção entre o que valia e o que não valia culturalmente. Daí que não lia Paulo Coelho, não assistia novelas da Globo, não escutava música brega ou dos novos sertanejos, não participava das triviais conversas familiares e de colegas de trabalho.
Criei uma certa bolha de convivência a que poucos "privilegiados" tinham acesso. Digo "privilegiados" em tom irônico, porque em verdade eu era execrada como pernóstica, ou seja, afetada, pedante. E era mesmo, como se eu fosse me contaminar na mundanidade.
Tudo besteira, penso eu hoje. Se todo aquele pudor intelectual me forneceu uma generosa bagagem de conhecimentos e me permitiu trabalhar com conteúdos mais complexos, ao mesmo tempo também me impediu, por um longo tempo, de criar canais de comunicação com pessoas interessantes.
Nos livros de auto ajuda, os quais tem uma linguagem simplória e um arcabouço teórico frágil, hoje encontro um conteúdo importante para o resgate psicológico, emocional e espiritual para muitas pessoas, as quais não receberiam nenhum auxílio de uma literatura mais elaborada, hermética e distanciada.
As novelas da Globo geram debates que penetram as famílias e os encontros sociais, suscitando temas e reflexões que muitas vezes são impenetráveis nos círculos fechados de certas comunidades, favorecendo diminuição de preconceitos e estimulando movimentos sociais de relevância.
Na música, seja qual for o estilo, há substanciosos exemplos de reconhecimento da realidade social e de crítica feroz, muitas vezes apenas atribuída à MPB durante a ditadura militar. Como exemplo encontramos o livro de Paulo César de Araujo, Eu não sou cachorro não, num autêntico resgate da contribuição crítica da música brega no contexto pós anos 60.
Penso hoje que, o que vale, vale porque pesa enquanto significado para cada um de nós. Onde estão as soluções para nossas necessidades e as respostas ou possibilidades de reflexão para superação das dificuldades, ali estão as coisas que têm valor. Assim Machado de Assis, Tolstoi e Dostoievski são a grande literatura e trazem um universo de temáticas humanas de profundo significado, mas com certeza, não são por todas as pessoas acessadas e compreendidas, nem ao menos os livros são enfrentados na trabalhosa arte de apreensão. Há outros que fazem viagens similares em propostas menos fatigantes da chamada baixa literatura, seja Og Mandino ou o famigerado Paulo Coelho.
Hoje, para mim, não importa, é como diz o funk, "Cada um no seu quadrado".
mercoledì 7 novembre 2012
Só sei que nada sei
A diferença entre o fanático e o que tem certeza é nenhuma. Penso que ambos estão enceguecidos por uma crença absolutista sobre uma determinada verdade que para eles se apresenta como a Verdade.
Os fanáticos empreendem uma via de total obediência a cânones e dogmas elaborados por outrem e que a eles servem como muletas, óculos e anteparos para veicular no mundo, para guiar seus próprios passos e para interpretar os fenômenos do cotidiano. Os que têm certezas se cristalizam em suas próprias concepções e com elas açoitam os que delas discordam, bem como as impõem aos que partilham de suas experiências. Ambos, os fanáticos e os que têm certezas, são pessoas com as quais é impossível conversar, apresentar contra argumentos, questionar e muito menos constituir projetos em comum.
Penso que todos nós temos aspectos de uns e de outros, muitas vezes em determinados momentos de nossas histórias, seja presentemente ou no longínquo passado de outrora. Talvez tenhamos nos comprometido negativamente com a humanidade e com a história do planeta Terra justamente pela intransigência extrema com os comportamentos alheios, a imposição de nossos ideais, o julgamento sumário e a aplicação de penas duras e criadoras de tantos sofrimentos e dores nos corações e corpos de nossos irmãos de estrada.
Das grandes atrocidades às pequenas. Quem não foi tirano de um povo pode ter sido o ditador de um lar, guiando as vidas que ali se desenvolviam segundo preceitos estritos e castradores. Dos famosos e longos discursos ideologizadores até os sermões e infindas falas familiares acerca do que é certo e o que errado, sem nem ao menos escutar as perspectivas dos envolvidos, forjaram-se ambientes deletérios e malsãos. Aí estavam os que tiveram certezas.
Dos grandes templos religiosos aos grandes partidos políticos, uma mesma estratégia para formar pessoas dependentes de um sistema e escravizadas em suas mentes por regras e explicações lógicas na forma mas profundamente negadoras da experiência comum e da natureza humana. Aqui os fanáticos de toda ordem.
Vencer o fanatismo, vencer certezas, é paradoxalmente, criar uma crença, a de que não há verdades permanentes, de que há uma mutabilidade constante em todos os processos humanos e naturais, de que necessitamos muito dos outros, de que estarmos em harmonia e tentando compreender pontos diversos dos nossos, abrirá novos horizontes de comunhão onde energias fluirão com maior velocidade e intensidade, diminuindo doenças físicas e espirituais.
Viver bem será uma conquista dependente de imbuir nosso ser da famosa frase pronunciada por Sócrates: "Só sei que nada sei". Sócrates é um paradigma antifanatismo e anticertezas, um homem que por meio de seu exemplo de vida e de suas máximas, ultrapassou os séculos, tornando-se um arauto da vida plena.
Os fanáticos empreendem uma via de total obediência a cânones e dogmas elaborados por outrem e que a eles servem como muletas, óculos e anteparos para veicular no mundo, para guiar seus próprios passos e para interpretar os fenômenos do cotidiano. Os que têm certezas se cristalizam em suas próprias concepções e com elas açoitam os que delas discordam, bem como as impõem aos que partilham de suas experiências. Ambos, os fanáticos e os que têm certezas, são pessoas com as quais é impossível conversar, apresentar contra argumentos, questionar e muito menos constituir projetos em comum.
Penso que todos nós temos aspectos de uns e de outros, muitas vezes em determinados momentos de nossas histórias, seja presentemente ou no longínquo passado de outrora. Talvez tenhamos nos comprometido negativamente com a humanidade e com a história do planeta Terra justamente pela intransigência extrema com os comportamentos alheios, a imposição de nossos ideais, o julgamento sumário e a aplicação de penas duras e criadoras de tantos sofrimentos e dores nos corações e corpos de nossos irmãos de estrada.
Das grandes atrocidades às pequenas. Quem não foi tirano de um povo pode ter sido o ditador de um lar, guiando as vidas que ali se desenvolviam segundo preceitos estritos e castradores. Dos famosos e longos discursos ideologizadores até os sermões e infindas falas familiares acerca do que é certo e o que errado, sem nem ao menos escutar as perspectivas dos envolvidos, forjaram-se ambientes deletérios e malsãos. Aí estavam os que tiveram certezas.
Dos grandes templos religiosos aos grandes partidos políticos, uma mesma estratégia para formar pessoas dependentes de um sistema e escravizadas em suas mentes por regras e explicações lógicas na forma mas profundamente negadoras da experiência comum e da natureza humana. Aqui os fanáticos de toda ordem.
Vencer o fanatismo, vencer certezas, é paradoxalmente, criar uma crença, a de que não há verdades permanentes, de que há uma mutabilidade constante em todos os processos humanos e naturais, de que necessitamos muito dos outros, de que estarmos em harmonia e tentando compreender pontos diversos dos nossos, abrirá novos horizontes de comunhão onde energias fluirão com maior velocidade e intensidade, diminuindo doenças físicas e espirituais.
Viver bem será uma conquista dependente de imbuir nosso ser da famosa frase pronunciada por Sócrates: "Só sei que nada sei". Sócrates é um paradigma antifanatismo e anticertezas, um homem que por meio de seu exemplo de vida e de suas máximas, ultrapassou os séculos, tornando-se um arauto da vida plena.
giovedì 4 ottobre 2012
Maturidade e crescimento
Uma coisa que fica muito clara na observação do comportamento das pessoas, é que idade não tem nada a ver com maturidade. Há jovens extremamente maduros e idosos muito infantis. A idade é apenas um registro civil que indica um período encarnatório iniciado e nos auxilia a acompanhar mais conscientemente a condução do nosso processo de vida até o momento de despedida da experiência corpórea terrena.
Vê-se tanta vida, tanta alegria e tanta juventude em pessoas de todas as idades, e também em variadas extrações etárias encontram-se pessoas que apenas carregam um corpo e pouco traduzem da vivacidade e do interesse em aprofundar sua experiência de vida. Dewey expressa que uma pessoa plenamente viva é uma pessoa que se reconstrói continuamente, reformula suas ideias, reconduz seus comportamentos mediante um intenso labor de auto e de co-educação. Assim há mortos e vivos que passam uns pelos outros como transeuntes do mundo estando todos aparentemente na mesma condição. A morte e a velhice são a expressão de uma vida sem cor, destituída de significados profundos, dependente de ideias fixas e de condutas reprodutivas.
A maturidade é o esforço por ser adulto. Kant fala na maioridade da razão, o esclarecimento de quem pensa por si com autonomia; e a menoridade não relacionada com a idade mas com a dependência, do deixar que o mundo e as pessoas digam quem você é, o que deve fazer, o que deve pensar, quais são suas metas.
Grande parte do trabalho das instituições é impedir a novidade, coibir a penetração de novos paradigmas, com o único escopo de garantir o controle do comportamento dos indivíduos. Quanto mais gente em estado de minoridade intelectual, mais fácil manter o sistema funcionando.
Porém, tornar-se maduro, adulto, não é coisa de pouca monta. Carlo Dorafatti diz que implica em suportar incertezas, já que não há um modelo de como existir, do que e a quem seguir. Numa perspectiva existencialista, não há segurança de que o caminho eleito será o melhor, aliás, não há caminho melhor, só há caminhos, e eles têm que ser vividos e redirecionados no momento em que se sente e se pensa que eles esgotaram as possibilidades de nos motivar ao crescimento.
Para tanto temos que nos acolher, que nos aceitar na nossa condição de absoluta humanidade, dentro das limitações que carregamos em nossas características básicas.
Penso que um elemento profundamente vinculado com a dificuldade de crescimento, de amadurecimento, que carreamos ao longo da vida, seja a distância e a incongruência entre os discursos mentais que vamos construindo e proferindo e a forma como nos conduzimos em ações. "Faça o que eu falo, mas não faça o que eu faço".
Li num livro do Corrado Augias que Sêneca, estoico fervoroso defensor da coerência e da moralidade estrita ao Bem comum, reconhecia que, em última instância, ao humano se deve distinguir o discurso da ação, já que a vida real nos coloca em situações em que viver a radicalidade do pensamento seria ao menos impossível. Impossível ou não, penso que é a tarefa que está posta, de difícil execução, mas é a única que justifica nossa passagem nesse mundo, é a mudança da capacidade de discernimento; ou seja, desenvolver um esforço consciente em rever profundamente nossas crenças de todos os tipos, científicas, espirituais, sociais, políticas etc, e mediante aquilo que se vai entendendo como válido, empreender ações que as realizem, assim, vivendo a práxis de Freire, a experiência de Dewey, reconstruindo a nós em nós mesmos e, na interação com o mundo, auxiliando o mesmo a se repensar e se realizar de maneira diversa.
Vê-se tanta vida, tanta alegria e tanta juventude em pessoas de todas as idades, e também em variadas extrações etárias encontram-se pessoas que apenas carregam um corpo e pouco traduzem da vivacidade e do interesse em aprofundar sua experiência de vida. Dewey expressa que uma pessoa plenamente viva é uma pessoa que se reconstrói continuamente, reformula suas ideias, reconduz seus comportamentos mediante um intenso labor de auto e de co-educação. Assim há mortos e vivos que passam uns pelos outros como transeuntes do mundo estando todos aparentemente na mesma condição. A morte e a velhice são a expressão de uma vida sem cor, destituída de significados profundos, dependente de ideias fixas e de condutas reprodutivas.
A maturidade é o esforço por ser adulto. Kant fala na maioridade da razão, o esclarecimento de quem pensa por si com autonomia; e a menoridade não relacionada com a idade mas com a dependência, do deixar que o mundo e as pessoas digam quem você é, o que deve fazer, o que deve pensar, quais são suas metas.
Grande parte do trabalho das instituições é impedir a novidade, coibir a penetração de novos paradigmas, com o único escopo de garantir o controle do comportamento dos indivíduos. Quanto mais gente em estado de minoridade intelectual, mais fácil manter o sistema funcionando.
Porém, tornar-se maduro, adulto, não é coisa de pouca monta. Carlo Dorafatti diz que implica em suportar incertezas, já que não há um modelo de como existir, do que e a quem seguir. Numa perspectiva existencialista, não há segurança de que o caminho eleito será o melhor, aliás, não há caminho melhor, só há caminhos, e eles têm que ser vividos e redirecionados no momento em que se sente e se pensa que eles esgotaram as possibilidades de nos motivar ao crescimento.
Para tanto temos que nos acolher, que nos aceitar na nossa condição de absoluta humanidade, dentro das limitações que carregamos em nossas características básicas.
Penso que um elemento profundamente vinculado com a dificuldade de crescimento, de amadurecimento, que carreamos ao longo da vida, seja a distância e a incongruência entre os discursos mentais que vamos construindo e proferindo e a forma como nos conduzimos em ações. "Faça o que eu falo, mas não faça o que eu faço".
Li num livro do Corrado Augias que Sêneca, estoico fervoroso defensor da coerência e da moralidade estrita ao Bem comum, reconhecia que, em última instância, ao humano se deve distinguir o discurso da ação, já que a vida real nos coloca em situações em que viver a radicalidade do pensamento seria ao menos impossível. Impossível ou não, penso que é a tarefa que está posta, de difícil execução, mas é a única que justifica nossa passagem nesse mundo, é a mudança da capacidade de discernimento; ou seja, desenvolver um esforço consciente em rever profundamente nossas crenças de todos os tipos, científicas, espirituais, sociais, políticas etc, e mediante aquilo que se vai entendendo como válido, empreender ações que as realizem, assim, vivendo a práxis de Freire, a experiência de Dewey, reconstruindo a nós em nós mesmos e, na interação com o mundo, auxiliando o mesmo a se repensar e se realizar de maneira diversa.
mercoledì 3 ottobre 2012
O que vocês fazem da meia noite às seis?
Até um pouco da metade da minha carreira, eu tinha o péssimo gosto de jogar frases de efeito sobre os alunos, sem sequer me dar conta da relevância das palavras de um professor sobre aqueles que estão sob sua orientação.
Há pouco mais de um mês recebi um e-mail de uma ex-aluna, Marineuza, uma pessoa muito especial, daquelas que a gente agradece à Deus por ter conhecido. Excelente esposa, mãe, aluna, educadora e profissional. Entre gentis palavras de carinho e de saudade, ela citou que ainda relevava um dito que à época era frequente em minhas aulas: "O que vocês fazem da meia noite às seis?", o que invariavelmente era uma resposta às reclamações quanto ao excesso de leituras e ao tempo escasso para cumpri-las.
Eu ao responder o e-mail pedi escusas, informando o quanto eu havia mudado em relação às orientações que dava em aula e que hoje eu considerava que o tempo de descanso é fundamental para o bem estar de qualquer ser humano.
Em verdade, o que sucedia, é que eu simplesmente reproduzia como professora comportamentos aprendidos com meus mestres mais rigorosos, os quais foram meus guias inconscientemente perpetuados numa série de atitudes despóticas que eu assimilei e propaguei por mais de uma década.
Realmente acredito na necessidade do cumprimento do dever e de atender às solicitações de professores, afinal meu último curso como aluna foi em 2008 e, no concernente aos deveres em disciplinas, com dificuldades ou não, eu os cumpri, abrindo mão apenas daquilo que dizia respeito somente a mim. Mesmo durante as aulas eu sempre procurei estar presente e atenta, bem como dignificar a ação dos professores com meu interesse e envolvimento.
Porém, penso que um professor deve relevar as condições de vida real dos alunos, deixando apenas de tentar fazer deles o ideal que carrega dentro de si. O cuidado em não projetar dificuldades pessoais, recalques psicológicos e vinganças sócio-econômico-culturais sobre os alunos, é de suma importância para criar um ambiente humanizado e pleno de energias salutares para despertar o desejo de estudar.
Tenho claro para mim, hoje, que meus alunos trabalhadores em dupla jornada, muitas vezes tardiamente chegando à universidade, pais de família, com filhos e marido ou esposa em casa, vítimas de desigualdades sócio-culturais e econômicas, umas tantas outras gerados em ambientes destrutivos para a auto-estima, não estão nos bancos universitários para gerarem excelências, as quais muitas vezes geram em verdade, mas ali estão para exercerem dignamente suas profissões e para darem saltos qualitativos em suas construções como pessoas humanas e humanizadas em si mesmas e nas suas projeções no mundo. Excelências acadêmicas pertencem ao mundo da ciência e há aqueles que estão em condições cognitivas e predispostos psicologicamente à uma massacrante rotina de estudos que levem à descobertas e desenvolvimento significativo do conhecimento humano. Mas eu, que não sou acadêmica de alto nível científico, penso ter contribuído, somente ao final da carreira, formando, para o mundo, pessoas que eu desejei mais felizes e mais competentes em suas áreas, mais conscientes de seus misteres.
Claro que os mais dedicados, os que abrem mão de determinadas regalias pessoais, de alguns momentos de tranquilidade e conforto, vão se sair melhor do que aqueles que levam o estudo "na flauta", porém, devemos criar estratégias mais agradáveis e gentis que atendam com radicalidade à construção do conhecimento e, ao mesmo tempo, reforcem o reconhecimento do indivíduo acerca de suas capacidades.
Nos últimos anos eu era exigente com os que levam a vida na "flauta", mas sempre dentro dos padrões gerais que estabelecia à todos, orientações sobre leituras pontuais mais significativas, uso da sala de aula para leitura e estudo compartilhado, estratégias de sínteses em mapas conceituais e atividades orais coletivas para divulgação de novos conhecimentos e suas fontes teóricas encontradas por todos e cada um. A relação imediata entre o lido, discutido e compreendido e os afazeres da profissão em educação, eram mais produtivos do que minhas exigências iniciais da carreira, as quais produziram em muitos ojeriza pelo estudo.
Diria eu agora à Marineuza, querida do meu coração, organize seu tempo para a dupla jornada de trabalho, empresa e casa, dedique-se continuamente aos estudos, mas sempre, sempre e sempre, abra espaços em sua jornada para o amor do marido e dos filhos, para a convivência na alegria e no cultivo dos pequenos prazeres à mesa, junto à natureza e nas festividades familiares e com amigos, o que ela em verdade sempre fez. A vida é, como dizia meu querido e inesquecível professor de Lógica, João José Itagyba Mariuzzo, um tripé, trabalho-lazer-estudo. Havendo organização e bom senso, há lugar para tudo, há tempo para dormir da meia noite às seis ou nos horários que nossas condições reais de vida permitam.
Há pouco mais de um mês recebi um e-mail de uma ex-aluna, Marineuza, uma pessoa muito especial, daquelas que a gente agradece à Deus por ter conhecido. Excelente esposa, mãe, aluna, educadora e profissional. Entre gentis palavras de carinho e de saudade, ela citou que ainda relevava um dito que à época era frequente em minhas aulas: "O que vocês fazem da meia noite às seis?", o que invariavelmente era uma resposta às reclamações quanto ao excesso de leituras e ao tempo escasso para cumpri-las.
Eu ao responder o e-mail pedi escusas, informando o quanto eu havia mudado em relação às orientações que dava em aula e que hoje eu considerava que o tempo de descanso é fundamental para o bem estar de qualquer ser humano.
Em verdade, o que sucedia, é que eu simplesmente reproduzia como professora comportamentos aprendidos com meus mestres mais rigorosos, os quais foram meus guias inconscientemente perpetuados numa série de atitudes despóticas que eu assimilei e propaguei por mais de uma década.
Realmente acredito na necessidade do cumprimento do dever e de atender às solicitações de professores, afinal meu último curso como aluna foi em 2008 e, no concernente aos deveres em disciplinas, com dificuldades ou não, eu os cumpri, abrindo mão apenas daquilo que dizia respeito somente a mim. Mesmo durante as aulas eu sempre procurei estar presente e atenta, bem como dignificar a ação dos professores com meu interesse e envolvimento.
Porém, penso que um professor deve relevar as condições de vida real dos alunos, deixando apenas de tentar fazer deles o ideal que carrega dentro de si. O cuidado em não projetar dificuldades pessoais, recalques psicológicos e vinganças sócio-econômico-culturais sobre os alunos, é de suma importância para criar um ambiente humanizado e pleno de energias salutares para despertar o desejo de estudar.
Tenho claro para mim, hoje, que meus alunos trabalhadores em dupla jornada, muitas vezes tardiamente chegando à universidade, pais de família, com filhos e marido ou esposa em casa, vítimas de desigualdades sócio-culturais e econômicas, umas tantas outras gerados em ambientes destrutivos para a auto-estima, não estão nos bancos universitários para gerarem excelências, as quais muitas vezes geram em verdade, mas ali estão para exercerem dignamente suas profissões e para darem saltos qualitativos em suas construções como pessoas humanas e humanizadas em si mesmas e nas suas projeções no mundo. Excelências acadêmicas pertencem ao mundo da ciência e há aqueles que estão em condições cognitivas e predispostos psicologicamente à uma massacrante rotina de estudos que levem à descobertas e desenvolvimento significativo do conhecimento humano. Mas eu, que não sou acadêmica de alto nível científico, penso ter contribuído, somente ao final da carreira, formando, para o mundo, pessoas que eu desejei mais felizes e mais competentes em suas áreas, mais conscientes de seus misteres.
Claro que os mais dedicados, os que abrem mão de determinadas regalias pessoais, de alguns momentos de tranquilidade e conforto, vão se sair melhor do que aqueles que levam o estudo "na flauta", porém, devemos criar estratégias mais agradáveis e gentis que atendam com radicalidade à construção do conhecimento e, ao mesmo tempo, reforcem o reconhecimento do indivíduo acerca de suas capacidades.
Nos últimos anos eu era exigente com os que levam a vida na "flauta", mas sempre dentro dos padrões gerais que estabelecia à todos, orientações sobre leituras pontuais mais significativas, uso da sala de aula para leitura e estudo compartilhado, estratégias de sínteses em mapas conceituais e atividades orais coletivas para divulgação de novos conhecimentos e suas fontes teóricas encontradas por todos e cada um. A relação imediata entre o lido, discutido e compreendido e os afazeres da profissão em educação, eram mais produtivos do que minhas exigências iniciais da carreira, as quais produziram em muitos ojeriza pelo estudo.
Diria eu agora à Marineuza, querida do meu coração, organize seu tempo para a dupla jornada de trabalho, empresa e casa, dedique-se continuamente aos estudos, mas sempre, sempre e sempre, abra espaços em sua jornada para o amor do marido e dos filhos, para a convivência na alegria e no cultivo dos pequenos prazeres à mesa, junto à natureza e nas festividades familiares e com amigos, o que ela em verdade sempre fez. A vida é, como dizia meu querido e inesquecível professor de Lógica, João José Itagyba Mariuzzo, um tripé, trabalho-lazer-estudo. Havendo organização e bom senso, há lugar para tudo, há tempo para dormir da meia noite às seis ou nos horários que nossas condições reais de vida permitam.
martedì 2 ottobre 2012
Interregno
Fiquei um bom tempo sem escrever... meu filho mais novo veio me visitar aqui na Itália, ficou comigo de maio até agosto, e com a sua partida, é como se eu ficasse dividida, com ele voltou ao Brasil um pedaço de mim e eu não senti a inspiração, o desejo, o impulso de escrever, desde então.
Mas ontem, assistindo ao programa televisivo Che tempo che fa, deparei com uma belíssima fala de Roberto Saviano, na qual ele descreveu a trajetória do pianista Michel Petrucciani, portador de uma doença incurável que lhe partiu os ossos por toda a vida, mas nunca o impediu de desenvolver e aprimorar seu talento. Com dores físicas intensas, inclusive com ossos partidos durante seus concertos, ele nunca deixou de praticar ou interrompeu uma apresentação.
Eu, com uma vida tranquila, sem problemas físicos ou psicológicos de grande monta, com tanto amor e amizade em meu entorno, me dei ao luxo de não ter inspiração. Larguei uma vida organizada e estável junto aos meus queridos do coração para viver um amor, enfrentar o desafio de uma nova vida num lugar distante e diverso, com uma rotina agradável e benfazeja e me limito a me deixar dominar por saudades... quando há tanto a partilhar... penso, refletindo agora, que é um dever compartilhar o pouco que se tenha, e o que eu tenho são minhas palavras como veículo de meus sentimentos e pensamentos. Consciente do poder da fala de Saviano sobre meu animo d'alma, desejo hoje novamente exercer esse meu pequeno mister.
Mas ontem, assistindo ao programa televisivo Che tempo che fa, deparei com uma belíssima fala de Roberto Saviano, na qual ele descreveu a trajetória do pianista Michel Petrucciani, portador de uma doença incurável que lhe partiu os ossos por toda a vida, mas nunca o impediu de desenvolver e aprimorar seu talento. Com dores físicas intensas, inclusive com ossos partidos durante seus concertos, ele nunca deixou de praticar ou interrompeu uma apresentação.
Eu, com uma vida tranquila, sem problemas físicos ou psicológicos de grande monta, com tanto amor e amizade em meu entorno, me dei ao luxo de não ter inspiração. Larguei uma vida organizada e estável junto aos meus queridos do coração para viver um amor, enfrentar o desafio de uma nova vida num lugar distante e diverso, com uma rotina agradável e benfazeja e me limito a me deixar dominar por saudades... quando há tanto a partilhar... penso, refletindo agora, que é um dever compartilhar o pouco que se tenha, e o que eu tenho são minhas palavras como veículo de meus sentimentos e pensamentos. Consciente do poder da fala de Saviano sobre meu animo d'alma, desejo hoje novamente exercer esse meu pequeno mister.
mercoledì 15 agosto 2012
Inteligência e amor, tarefa de professor...
Ouvi um senhor falar com um outro e o assunto eram profissões que os filhos e os netos deveriam seguir. Um dizia que frequentar universidade era uma besteira, afinal há tantos diplomados que aos 40 anos ainda não tem um posto de trabalho seguro e compatível com a categoria de estudo. O outro defendia a frequência acadêmica dos jovens dizendo da importância da qualificação. Assim os argumentos se sobrepunham até que o primeiro disse que "Inclusive é uma besteira estudar para ser professor, vale menos que um contador, ninguém dá nenhum valor a tal profissional." Além de desprezar o ser professor, ainda desqualificou os contadores. Detalhe: o interlocutor é de uma família de professores... e evidentemente fez a defesa da profissão.
Minha vontade era interferir, o que o resquício de educação que a minha mãe me deu impediu de fazer. Aquele senhor que defenestrava minha profissão sabe ler e escrever, é industrial e para gerir sua empresa com certeza utiliza inúmeros conceitos e técnicas não aprendidos apenas por empiria mas com orientações precisas, ainda que numa escola técnica. Seus filhos e netos também estudaram, assim como sua esposa e seus funcionários, todos são alfabetizados, contam e têm conhecimentos gerais que permitem ler jornais, acompanhar a política, calcular seus ganhos e débitos, raciocinar sobre coisas complexas que ampliam suas vidas para além dos limites da fisiologia corporal. Ah, gostaria também de saber se a empresa do dito senhor funciona sem um contador...
Sabe-se do valor que elites intelectuais sempre deram aos professores. Enquanto homens práticos e imediatistas, donos da grana, sempre os desprezaram, principalmente aos que se arvoraram em ultrapassar os limites do treinamento, da capacitação, da reciclagem (todos termos vinculados a uma mera transmissão de informações e a uma relação de total separação sujeito-objeto, professor-aluno, conhecimento de quem ensina-ignorância de quem aprende). A formação longa e cuidadosa dos filósofos da antiguidade é confrontada hoje com a vertiginosa formação em dois e três anos, com um retrocesso aos métodos de memorização e às respostas em poucas linhas e extremamente objetivas. A geração da leitura dinâmica não resiste ao fruir de uma poesia, de uma música instrumental complexa, de um filme reflexivo, de um livro denso... não consegue analisar ideologias, selecionar valores, definir caminhos alternativos. Geração fruto da educação fast food -junk food de fácil digestão, com poucos nutrientes e altamente calórica, que dá mais em menos tempo e não serve para coisa alguma. Realmente, os professores dessa geração eu também não valorizo.
De qualquer maneira, eu também não quero professores adequados ao mundo do trabalho, às prerrogativas do capital, aos interesses imediatistas dos alunos e das instituições educativas. Quero professores que interfiram nas certezas da sociedade, que proporcionem situações de aprendizagem nas quais os alunos sejam os construtores de seus próprios conhecimentos. Quero professores e alunos indignados com a dor do mundo e sonhadores de novos caminhos.
Lembro-me de ser uma jovem e petulante professora que dizia: educação não é uma questão de amor, é apenas uma questão de cognição, de inteligência. Ora, penso hoje, uma inteligência não tem necessariamente que considerar sentimentos. Uma economia à serviço da inteligência observa uma fábrica e seus funcionários do ponto de vista matemático. O mundo para um capitalista é um lugar para obter lucros e os seres humanos são apenas alvos consumidores de produtos inúteis para sua saúde física e mental. Não entram sentimentos, conta apenas a inteligência de manipular todo o sistema para o alcance de objetivos, que, em realidade, não atendem nem ao menos aos seus criadores, que, ao final, também ficarão velhos, doentes, débeis e receberão o tratamento que dispensaram toda a vida aos seus consemelhantes, os quais aprenderam empiricamente o que é um ser humano, agora descartável. Também pessoas extremamente sentimentalóides, sem reflexão crítica, são joguetes fáceis nas mãos da mídia, da sociedade de consumo, dos políticos inescrupulosos.
Diz Henrique José de Souza "Pouco valor possui quem tem inteligência e nenhum amor; do mesmo modo que muito amor e pouca inteligência. A Lei exige que as duas conchas da balança estejam no fiel ou em perfeito equilíbrio." Pode-se dizer que a mediania aristotélica ainda vale. Nem tanto ao céu nem tanto à terra. De tudo um pouco. Um senso de raciocínio adequado sob a mira cuidadosa do sentimento. Schiller falava do equilíbrio entre razão e sensibilidade, na qual a sensibilidade seria o juiz das ações racionais. Um exemplo: a Revolução Francesa foi propulsionada por altos e dignos valores filosóficos direcionados ao Homem e, para alcançá-los, cometeu barbaridades contra a humanidade, desfigurando ética e esteticamente o horizonte que tanto almejara.
Um mundo sem professores que possam instigar o espanto grego, a perplexidade por meio da reflexão contínua, será o mundo que tantos defendem, o mundo da técnica, da vida prática, dos homens-coisas que fazem o moto perpétuo do capital, sem sentido maior do que o de ganhar uma grana legal para ter uma casa, um carro, garantir os churrascos de domingo e o jogo de futebol domingo à tarde. Para esse mundo, professores, livros, poesia e arte não valem coisa alguma.
Professores valem muito, sim, desde que sejam semeadores de pensamentos e sentimentos propugnadores de uma humanidade melhor em cada um e para todos, forjando o desejo de um mundo onde o ganho seja útil para a vida prática e para o fruir da alma, para a alegria de sua casa e também de seus irmãos conhecidos e desconhecidos, para a evolução da espécie e para o conforto de corpos e espíritos.
Um mundo sem professores que possam instigar o espanto grego, a perplexidade por meio da reflexão contínua, será o mundo que tantos defendem, o mundo da técnica, da vida prática, dos homens-coisas que fazem o moto perpétuo do capital, sem sentido maior do que o de ganhar uma grana legal para ter uma casa, um carro, garantir os churrascos de domingo e o jogo de futebol domingo à tarde. Para esse mundo, professores, livros, poesia e arte não valem coisa alguma.
Professores valem muito, sim, desde que sejam semeadores de pensamentos e sentimentos propugnadores de uma humanidade melhor em cada um e para todos, forjando o desejo de um mundo onde o ganho seja útil para a vida prática e para o fruir da alma, para a alegria de sua casa e também de seus irmãos conhecidos e desconhecidos, para a evolução da espécie e para o conforto de corpos e espíritos.
giovedì 9 agosto 2012
Mestre e discipulo
Lendo a frase "O Mestre aponta o caminho; o discípulo segue sozinho até encontrar novamente o Mestre, mas, desta vez, dentro de si mesmo." de Henrique José de Souza, fiquei pensando sobre os caminhos meus e de tantos que procuram respostas para suas mais intimas perquiriçoes sobre o crescimento humano e espiritual dos individuos.
Meu primeiro texto academico foi a monografia de final do Curso de Pedagogia, na qual eu tratava da relaçao mestre-discipulo, abordada numa perspectiva da teoria de Paulo Freire e de Moacir Gadotti, via Georges Gusdorf. A ideia de que um mestre so é mestre quando seu discipulo se torna também um mestre e dele ja nao necessita, era a tese central dos meus estudos, e é a consequencia do pensamento de Souza. A diferença é que Souza fala de uma transcendencia espiritual e Freire e Gadotti manifestam nos textos estudados por mim uma preocupaçao explicita com o exercicio do educador formal.
De qualquer maneira todos estao numa dimensao em que o humano esta para além dos limites dos papéis sociais. E um mestre nao é so um professor, um orientador titulado, mas todo aquele que nos serve de interlocutor para ampliarmos nossas reflexoes e visualizarmos um horizonte mais largo e de maior profundidade.
Quando Souza se refere ao Mestre que encontramos em nos mesmos, podemos pensar que a centelha divina, que aquilo que ha em nos se conecta com o todo, e que por sua vez se manifesta por meio de nos, que todas as respostas às nossas duvidas nao estao fora de nos, mas em nosso imo. Jesus ja falava "vos sois deuses". Numa perspectiva holistica, tudo que ha em mim é sintese do que ha no universo, assim, nao ha nada fora que nao esteja dentro. Procurar um mestre fora de nos nao faz sentido, porque o Mestre habita em nos. So que o Mestre precisa se manifestar, falar conosco em nos por meio de nos mesmos. Ai entra o papel primario do mestre exterior que nos incita à busca do Mestre interior, que quando contatado, dispensa o mestre exterior.
Ontem fazendo leituras sobre a obra e o pensamento de Jiddu Krishnamurti, fiquei encantada ao ver a personificaçao dessa ideia. Aos 14 anos, em 1909, ele iniciou sua educaçao dentro das orientaçoes da Sociedade Teosofica, apos ser identificado por um membro como um instrutor do mundo muito aguardado pelos teosofistas. Muito aprendeu em conhecimentos e praticas de meditaçao, porém, seus orientadores o colocaram como lider espiritual da Ordem Internacional da Estrela do Oriente, numa posiçao de futuro guia da humanidade. Depois da morte de seu irmao ele se enfronhou em grandes cogitaçoes internas e foi se afastando da Sociedade Teosofica, até que aos 34 anos, publicamente, se desligou da instituiçao, colocando-se claramente como alguém que nao desejava guiar ninguém em virtude da sua forte crença de que pessoa alguma deve ter lideres ou orientadores para seu caminhar
espiritual pessoal. Afinal, é intransferivel a tarefa de encontrar a si mesmo.
Nao ha caminho verdadeiro, nao ha mestre definitivo, nao ha religiao correta. O que cada um deve fazer é explorar seus potenciais mentais ao maximo para poder vislumbrar em si mesmo a Verdade que nao pode ser oriunda do externo, de uma outra pessoa. Ou seja, ele viveu em coerencia maxima seus pensamentos. Nao aceitou ser lider e se colocou como mais uma pessoa que conversava com outras pessoas, até o final de seus dias em 1986.
E eu também penso assim, apos um longo caminhar de muitos mestres. Em minha formaçao academica dos 17 anos, até o final do mestrado, aos 38 anos, penso que fui muito atraida por orientaçoes externas, fundamentando meu agir nas falas de outros. No aspecto religioso também, tinha uma profunda veneraçao e respeito por orientaçoes dentro das religioes que frequentei, evitando conspurcar as "verdades" ali enunciadas. Mas nao tem jeito, aquilo que em nos se manifesta nao tem como ser calado. Heidegger coloca que em algum momento o ser ha de se manifestar no ente. Aquilo que em mim é essencial nao pode ser sufocado pela pessoa que eu constitui socialmente. Ha uma verdade construida por mim e que, numa perspectiva religiosa, comunga com a minha origem divina, e que de qualquer maneira vai se manifestar para além dos dogmas, dos limites, das restriçoes deliberadas por homens que se afastam de suas vozes interiores. E nao ha voz interior que resista a tanta ritualistica, a tantos catecismos, a tanto fanatismo. E quando nossa voz anterior fala que "ha algo de podre no reino da Dinamarca?" rsrsrsr
Nao tem jeito. Temos que assumir que cada um ha de empreender seu proprio caminho e ser Mestre de si mesmo, com auxilio dos mestres exteriores nao como gurus, nao como guias, nao como salvadores, mas como interlocutores duros e doceis que mexam e remexam nossas crenças mais intimas.
Meu primeiro texto academico foi a monografia de final do Curso de Pedagogia, na qual eu tratava da relaçao mestre-discipulo, abordada numa perspectiva da teoria de Paulo Freire e de Moacir Gadotti, via Georges Gusdorf. A ideia de que um mestre so é mestre quando seu discipulo se torna também um mestre e dele ja nao necessita, era a tese central dos meus estudos, e é a consequencia do pensamento de Souza. A diferença é que Souza fala de uma transcendencia espiritual e Freire e Gadotti manifestam nos textos estudados por mim uma preocupaçao explicita com o exercicio do educador formal.
De qualquer maneira todos estao numa dimensao em que o humano esta para além dos limites dos papéis sociais. E um mestre nao é so um professor, um orientador titulado, mas todo aquele que nos serve de interlocutor para ampliarmos nossas reflexoes e visualizarmos um horizonte mais largo e de maior profundidade.
Quando Souza se refere ao Mestre que encontramos em nos mesmos, podemos pensar que a centelha divina, que aquilo que ha em nos se conecta com o todo, e que por sua vez se manifesta por meio de nos, que todas as respostas às nossas duvidas nao estao fora de nos, mas em nosso imo. Jesus ja falava "vos sois deuses". Numa perspectiva holistica, tudo que ha em mim é sintese do que ha no universo, assim, nao ha nada fora que nao esteja dentro. Procurar um mestre fora de nos nao faz sentido, porque o Mestre habita em nos. So que o Mestre precisa se manifestar, falar conosco em nos por meio de nos mesmos. Ai entra o papel primario do mestre exterior que nos incita à busca do Mestre interior, que quando contatado, dispensa o mestre exterior.
Ontem fazendo leituras sobre a obra e o pensamento de Jiddu Krishnamurti, fiquei encantada ao ver a personificaçao dessa ideia. Aos 14 anos, em 1909, ele iniciou sua educaçao dentro das orientaçoes da Sociedade Teosofica, apos ser identificado por um membro como um instrutor do mundo muito aguardado pelos teosofistas. Muito aprendeu em conhecimentos e praticas de meditaçao, porém, seus orientadores o colocaram como lider espiritual da Ordem Internacional da Estrela do Oriente, numa posiçao de futuro guia da humanidade. Depois da morte de seu irmao ele se enfronhou em grandes cogitaçoes internas e foi se afastando da Sociedade Teosofica, até que aos 34 anos, publicamente, se desligou da instituiçao, colocando-se claramente como alguém que nao desejava guiar ninguém em virtude da sua forte crença de que pessoa alguma deve ter lideres ou orientadores para seu caminhar
espiritual pessoal. Afinal, é intransferivel a tarefa de encontrar a si mesmo.
Nao ha caminho verdadeiro, nao ha mestre definitivo, nao ha religiao correta. O que cada um deve fazer é explorar seus potenciais mentais ao maximo para poder vislumbrar em si mesmo a Verdade que nao pode ser oriunda do externo, de uma outra pessoa. Ou seja, ele viveu em coerencia maxima seus pensamentos. Nao aceitou ser lider e se colocou como mais uma pessoa que conversava com outras pessoas, até o final de seus dias em 1986.
E eu também penso assim, apos um longo caminhar de muitos mestres. Em minha formaçao academica dos 17 anos, até o final do mestrado, aos 38 anos, penso que fui muito atraida por orientaçoes externas, fundamentando meu agir nas falas de outros. No aspecto religioso também, tinha uma profunda veneraçao e respeito por orientaçoes dentro das religioes que frequentei, evitando conspurcar as "verdades" ali enunciadas. Mas nao tem jeito, aquilo que em nos se manifesta nao tem como ser calado. Heidegger coloca que em algum momento o ser ha de se manifestar no ente. Aquilo que em mim é essencial nao pode ser sufocado pela pessoa que eu constitui socialmente. Ha uma verdade construida por mim e que, numa perspectiva religiosa, comunga com a minha origem divina, e que de qualquer maneira vai se manifestar para além dos dogmas, dos limites, das restriçoes deliberadas por homens que se afastam de suas vozes interiores. E nao ha voz interior que resista a tanta ritualistica, a tantos catecismos, a tanto fanatismo. E quando nossa voz anterior fala que "ha algo de podre no reino da Dinamarca?" rsrsrsr
Nao tem jeito. Temos que assumir que cada um ha de empreender seu proprio caminho e ser Mestre de si mesmo, com auxilio dos mestres exteriores nao como gurus, nao como guias, nao como salvadores, mas como interlocutores duros e doceis que mexam e remexam nossas crenças mais intimas.
Quando um segundo dura uma eternidade
Muitas ideias vêm durante o sono. Há aqueles sonhos, desdobramentos ou viagens astrais, nos quais a gente vive situações muito claras, sequenciadas logicamente, detalhadas, nas quais vivemos um filme colorido em que somos espectadores e atores simultaneamente. Há os sonhos propriamente ditos em que se misturam imagens que entraram desavisadamente em nosso cérebro, pela visão periférica por exemplo, ou coisas que conversamos, problemas que nos acometem, ideias fixas e tudo muito desconexo, numa sequência quase interminável de coisas, pessoas e situações, como macaquinhos que pulam de galho em galho e não chegam em lugar algum.
Quantas ideias a gente acaba tendo nos sonhos... eu já cheguei à aula em sonho, aplicado uma prova para a turma, tirado a duvida de uma aluna e observado quem havia faltado. Quando acordei, estava com a prova pronta na cabeça, nao precisei nem escrever. Entrando na sala de aula observei que a aluna que havia faltado em sonhos também não havia comparecido. A mesma aluna do sonho fez novamente a pergunta e eu então me dei conta do acontecido, contei para a classe sobre o sonho e uma aluna, muito tímida, levantou a mão e disse que havia tido o mesmo sonho e estava assustada. Todos rimos e eu me certifiquei que não havia sido um mero sonho, mas havíamos vivido um novo conceito de viagem no tempo.
Acordo muitas vezes com temas prontos, aí começo a escrever mentalmente e, depois que me levanto, vai tudo para o esquecimento. Então a saída muita vezes é ir direto para o computador. Quando eu estava atuando como professora, era impossível escrever porque os horários eram saltados, muitos iniciando às 7h30' da manhã, outros às 14h e os da noite lá pelas 19h. Simplesmente não conseguia escrever porque a inspiração vinha, o concatenamento das ideias também, e quando havia o tempo disponível, não atingia a qualidade e a originalidade do momento inicial. Na verdade eu perdia o impulso, o élan.
Hoje sonhei com "quando um segundo dura uma eternidade", eu assistia cenas em que eu me via e ao mesmo tempo vivia determinada situação; passei a analisar o ocorrido e refleti sobre como muitas vezes vivemos tao intensamente, algo que vale pela eternidade. Acordei, escrevi a ideia em um diário e aqui estou eu.
Não pensei apenas no sentido em que há uma diferença entre o tempo cronológico e o tempo psicológico. Quando estamos numa situação agradável o tempo voa e quando vivemos um momento desagradável parece interminável. Mas o foco da minha reflexão foi o do quando se estende o tempo quando é intensamente vivido, mesmo que num átimo. Por isso penso que perdi muito tempo na vida em coisas que demandavam muitas horas mas pouco significado de aprendizado, enquanto em situações e tempos mínimos tive grandes saltos qualitativos para minha existência.
Aqui se pode pensar em kronos, o tempo lógico, sequencial e quantitativo, em contraposição à kairós, o tempo da oportunidade, da vivência da divindade, do indeterminado, da qualificação das experiências. Assisti duas palestras nas quais a Dra. Daniela Taibo Xisto, uma preciosa filósofa, discorria sobre tais conceitos de tempo, e fiquei encantada com a clareza com que ela expôs, nas duas ocasiões, ideias tão fora das preocupações correntes de todos nós. Numa ocasião ela tratava do filme As Horas, The Hours, dirigido por Stephen Daldry, e na outra, ela falava sobre Baudelaire e sua influência sobre Marcel Proust.
Há situações que se repetem interminavelmente nas nossas vidas individuais assim como nas vidas humanas em diversos tempos e espaços. São tempos de vivência em que autoreplicamos arquétipos manifestados mecanicamente, como se não tivéssemos forças para agir de outra maneira, presos à kronos. Há aqueles fulgores de intensidade quando usamos da vontade de potência, como diz Nietzsche. A criatividade, a transcendência de comportamentos usuais, a originalidade e a investida no novo nos permitem viver um tempo imprevisto, o tempo de kairós.
Penso que quando eu abandonar os corpos de natureza física, e eu for fazer a transferência definitiva de meus arquivos de experiências humanas para os meus corpos sutis, o que ocorrerá será a colheita de tudo que vivi enquanto kairós como ganho e salto evolutivo, e tudo o que vivi na condição de kronos será sintetizado como perda e limitação.
O lance é recriar ao máximo situações nas quais vivamos intensamente, mas não como momentos excepcionais porque artificialmente gestados, mas porque resignificados por nós. Um simples ato cotidiano pode ser modificado em um pequeno aspecto e assim fazer uma brutal diferença. Recordo-me de aulas em que tratávamos do mesmo assunto pelo vigésimo ano consecutivo, mas, em virtude da intervenção de um aluno e a minha aquiescência, caminhamos por um novo mundo de reflexões e de recondução de propostas primariamente esboçadas. Se eu ficasse naquele instante presa ao cronograma e ao pré-determinado, não haveria vida e intensidade na vivência, minha e dos alunos, daquele assunto aparentemente banal para eles e para mim sempre repetitivo.
Acreditar que somos os criadores do sentido do tempo nos faz avançar na proposição de que podemos e devemos nos lançar em kairós no jogo da vida nas mínimas circunstâncias a fim de transcendermos os limites impostos pelo condicionamento de kronos.
Quantas ideias a gente acaba tendo nos sonhos... eu já cheguei à aula em sonho, aplicado uma prova para a turma, tirado a duvida de uma aluna e observado quem havia faltado. Quando acordei, estava com a prova pronta na cabeça, nao precisei nem escrever. Entrando na sala de aula observei que a aluna que havia faltado em sonhos também não havia comparecido. A mesma aluna do sonho fez novamente a pergunta e eu então me dei conta do acontecido, contei para a classe sobre o sonho e uma aluna, muito tímida, levantou a mão e disse que havia tido o mesmo sonho e estava assustada. Todos rimos e eu me certifiquei que não havia sido um mero sonho, mas havíamos vivido um novo conceito de viagem no tempo.
Acordo muitas vezes com temas prontos, aí começo a escrever mentalmente e, depois que me levanto, vai tudo para o esquecimento. Então a saída muita vezes é ir direto para o computador. Quando eu estava atuando como professora, era impossível escrever porque os horários eram saltados, muitos iniciando às 7h30' da manhã, outros às 14h e os da noite lá pelas 19h. Simplesmente não conseguia escrever porque a inspiração vinha, o concatenamento das ideias também, e quando havia o tempo disponível, não atingia a qualidade e a originalidade do momento inicial. Na verdade eu perdia o impulso, o élan.
Hoje sonhei com "quando um segundo dura uma eternidade", eu assistia cenas em que eu me via e ao mesmo tempo vivia determinada situação; passei a analisar o ocorrido e refleti sobre como muitas vezes vivemos tao intensamente, algo que vale pela eternidade. Acordei, escrevi a ideia em um diário e aqui estou eu.
Não pensei apenas no sentido em que há uma diferença entre o tempo cronológico e o tempo psicológico. Quando estamos numa situação agradável o tempo voa e quando vivemos um momento desagradável parece interminável. Mas o foco da minha reflexão foi o do quando se estende o tempo quando é intensamente vivido, mesmo que num átimo. Por isso penso que perdi muito tempo na vida em coisas que demandavam muitas horas mas pouco significado de aprendizado, enquanto em situações e tempos mínimos tive grandes saltos qualitativos para minha existência.
Aqui se pode pensar em kronos, o tempo lógico, sequencial e quantitativo, em contraposição à kairós, o tempo da oportunidade, da vivência da divindade, do indeterminado, da qualificação das experiências. Assisti duas palestras nas quais a Dra. Daniela Taibo Xisto, uma preciosa filósofa, discorria sobre tais conceitos de tempo, e fiquei encantada com a clareza com que ela expôs, nas duas ocasiões, ideias tão fora das preocupações correntes de todos nós. Numa ocasião ela tratava do filme As Horas, The Hours, dirigido por Stephen Daldry, e na outra, ela falava sobre Baudelaire e sua influência sobre Marcel Proust.
Há situações que se repetem interminavelmente nas nossas vidas individuais assim como nas vidas humanas em diversos tempos e espaços. São tempos de vivência em que autoreplicamos arquétipos manifestados mecanicamente, como se não tivéssemos forças para agir de outra maneira, presos à kronos. Há aqueles fulgores de intensidade quando usamos da vontade de potência, como diz Nietzsche. A criatividade, a transcendência de comportamentos usuais, a originalidade e a investida no novo nos permitem viver um tempo imprevisto, o tempo de kairós.
Penso que quando eu abandonar os corpos de natureza física, e eu for fazer a transferência definitiva de meus arquivos de experiências humanas para os meus corpos sutis, o que ocorrerá será a colheita de tudo que vivi enquanto kairós como ganho e salto evolutivo, e tudo o que vivi na condição de kronos será sintetizado como perda e limitação.
O lance é recriar ao máximo situações nas quais vivamos intensamente, mas não como momentos excepcionais porque artificialmente gestados, mas porque resignificados por nós. Um simples ato cotidiano pode ser modificado em um pequeno aspecto e assim fazer uma brutal diferença. Recordo-me de aulas em que tratávamos do mesmo assunto pelo vigésimo ano consecutivo, mas, em virtude da intervenção de um aluno e a minha aquiescência, caminhamos por um novo mundo de reflexões e de recondução de propostas primariamente esboçadas. Se eu ficasse naquele instante presa ao cronograma e ao pré-determinado, não haveria vida e intensidade na vivência, minha e dos alunos, daquele assunto aparentemente banal para eles e para mim sempre repetitivo.
Acreditar que somos os criadores do sentido do tempo nos faz avançar na proposição de que podemos e devemos nos lançar em kairós no jogo da vida nas mínimas circunstâncias a fim de transcendermos os limites impostos pelo condicionamento de kronos.
lunedì 6 agosto 2012
De alma nua
Semana passada estava falando com meu filho pelo skype e comentava com ele sobre meus escritos do blog, sobre a quantidade e a origem de leitores, e dizia que ele estava sendo citado nos textos que poderiam ser acessados em vários locais por pessoas que desconhecíamos. Falei brincando mas ele ficou bravo comigo, e eu entendi. Quando professora, sempre dava exemplos em aulas a partir de vivências pessoais e casos familiares e ele ficava fulo da vida. Penso que só posso falar daquilo que conheço, daquilo que vivo, e não consigo exemplificar com casos fictícios, afinal a ficção é que copia a realidade, não o contrário. Já de pequenininha era apontada na escola como exibida, os coleguinhas reclamavam que eu sempre tinha um exemplo e algo a falar sobre qualquer coisa. Como diz minha médica homeopata, é um ego monstruoso rsrsrsr Ela fala com carinho, mas é sério.
Enfim, no dia seguinte à fala com Vladimir, fazendo leituras de blogs e outras coisas mais, encontrei um blog de um ex-aluno do curso de Jornalismo, Adriano, um daqueles que a gente não se esquece pela maturidade, empenho e alegria em aprender; e logo num dos primeiros textos postados, ele citava a minha pessoa, falava que gostava muito de minhas aulas, mas ficava perplexo com meu despudor em expor minhas experiências pessoais bem como casos familiares e detalhes da vida privada. Ele dizia que caso eu não fosse querida, aquelas informações poderiam ser usadas contra mim. E penso que esse é um dos motivos pelos quais as pessoas não se expõem, porque sabem ou pressentem que quanto mais alguém sabe sobre nós, mais argumentos têm para nos puxar tapetes ou agir contra nós em momentos oportunos.
Mas eu penso também que é hora de a gente mudar nossos paradigmas comportamentais. Eu prefiro ser autoreferente em meus textos como o fui sempre em minha vida, mesmo com os desgostos e dissabores que isso me trouxe em algumas poucas circunstâncias. Para construirmos um mundo de maior unidade entre os seres, precisamos estar mais próximos, estar mais claros, mais autênticos, menos em guarda, menos na defensiva. Eu já sou meio paranoica, sempre preocupada com possíveis ataques à minha pessoa nas pequenas coisas do cotidiano, e não quero que isso se estenda também para o âmbito profissional e do prazer de escrever.
Para mim a autenticidade implica em buscar o máximo de coerência entre o que pensamos, falamos e fazemos. Não se pense que é fácil, é um esforço constante e que exige muita atenção e tentativas de ajuste, muitas vezes infrutíferas. Meu companheiro diz que sou muito rigorosa, e realmente é assim, mas é que não dá para disperdiçar mais uma encarnação. Sou geminiana com ascendente em gêmeos, e no horóscopo esotérico há a indicação da necessidade de desenvolver mais amor, porque estudos e inteligência já o fiz em muitas vidas, agora é a hora de me humanizar, e uma forma viável é estar mais inteira e me entregar mais abertamente ao mundo, à vida, às pessoas. Sem máscaras, sem véus, sem nada; o que evidentemente também é um exercício constante, afinal não conhecemos suficientemente quem somos, é um aprendizado longo, e pouco a pouco é que vamos nos apresentando à nos mesmos.
Sempre fiquei estupefata com gente que esconde informações, que conta meias verdades, que cria grandes limites para que possamos conhecer seus pensamentos e experiências. Eu também tenho meus limites, gosto de estar sozinha ou apenas com as pessoas de casa, evito muitas saídas e, em verdade, estou pouco com outras pessoas; porém, quando estou com alguém, estou verdadeiramente ali. Talvez por isso mesmo evite ambientes muito cheios e barulhentos, porque ali as pessoas conversam mas não é lugar propício para se falar de coisas realmente significantes. Brinca-se, contam-se piadas, fala-se do tempo e de organizar novos encontros, mas questões de fundo existencial e de suma importância para a vida atemporal do ser são desconhecidas, descartadas e tidas por "chatas". Não é pra mim.
Digo aos meus meninos para não contarem coisas que estão em projetos ainda pouco viáveis para não desperdiçarem as energias mentais e de criação, mas depois de realizadas, e já suficientemente analisadas e compreendidas, elas são de grande importância para outras pessoas que podem querer passar pelos mesmos processos. Aqui é a comunicação, a tal da intersubjetividade, quando um ser consegue comunicar a outro por meio da identificação, da compreensão de significados, quando algo toca e estimula à transcendência de uma ideia ou situação, sugerindo novos pensamentos e atos.
Quando escrevo desejo sempre ser ao máximo exemplificadora para estabelecer humanidade em minhas ideias e, assim, poder estender uma mão que favoreça uma identificação ou a reflexão sobre uma possível divergência. Fazer pensar, fazer sentir, fazer agir, expondo a nudez da minha alma, naquilo que para mim também é o possível conhecido de mim mesma.
Enfim, no dia seguinte à fala com Vladimir, fazendo leituras de blogs e outras coisas mais, encontrei um blog de um ex-aluno do curso de Jornalismo, Adriano, um daqueles que a gente não se esquece pela maturidade, empenho e alegria em aprender; e logo num dos primeiros textos postados, ele citava a minha pessoa, falava que gostava muito de minhas aulas, mas ficava perplexo com meu despudor em expor minhas experiências pessoais bem como casos familiares e detalhes da vida privada. Ele dizia que caso eu não fosse querida, aquelas informações poderiam ser usadas contra mim. E penso que esse é um dos motivos pelos quais as pessoas não se expõem, porque sabem ou pressentem que quanto mais alguém sabe sobre nós, mais argumentos têm para nos puxar tapetes ou agir contra nós em momentos oportunos.
Mas eu penso também que é hora de a gente mudar nossos paradigmas comportamentais. Eu prefiro ser autoreferente em meus textos como o fui sempre em minha vida, mesmo com os desgostos e dissabores que isso me trouxe em algumas poucas circunstâncias. Para construirmos um mundo de maior unidade entre os seres, precisamos estar mais próximos, estar mais claros, mais autênticos, menos em guarda, menos na defensiva. Eu já sou meio paranoica, sempre preocupada com possíveis ataques à minha pessoa nas pequenas coisas do cotidiano, e não quero que isso se estenda também para o âmbito profissional e do prazer de escrever.
Para mim a autenticidade implica em buscar o máximo de coerência entre o que pensamos, falamos e fazemos. Não se pense que é fácil, é um esforço constante e que exige muita atenção e tentativas de ajuste, muitas vezes infrutíferas. Meu companheiro diz que sou muito rigorosa, e realmente é assim, mas é que não dá para disperdiçar mais uma encarnação. Sou geminiana com ascendente em gêmeos, e no horóscopo esotérico há a indicação da necessidade de desenvolver mais amor, porque estudos e inteligência já o fiz em muitas vidas, agora é a hora de me humanizar, e uma forma viável é estar mais inteira e me entregar mais abertamente ao mundo, à vida, às pessoas. Sem máscaras, sem véus, sem nada; o que evidentemente também é um exercício constante, afinal não conhecemos suficientemente quem somos, é um aprendizado longo, e pouco a pouco é que vamos nos apresentando à nos mesmos.
Sempre fiquei estupefata com gente que esconde informações, que conta meias verdades, que cria grandes limites para que possamos conhecer seus pensamentos e experiências. Eu também tenho meus limites, gosto de estar sozinha ou apenas com as pessoas de casa, evito muitas saídas e, em verdade, estou pouco com outras pessoas; porém, quando estou com alguém, estou verdadeiramente ali. Talvez por isso mesmo evite ambientes muito cheios e barulhentos, porque ali as pessoas conversam mas não é lugar propício para se falar de coisas realmente significantes. Brinca-se, contam-se piadas, fala-se do tempo e de organizar novos encontros, mas questões de fundo existencial e de suma importância para a vida atemporal do ser são desconhecidas, descartadas e tidas por "chatas". Não é pra mim.
Digo aos meus meninos para não contarem coisas que estão em projetos ainda pouco viáveis para não desperdiçarem as energias mentais e de criação, mas depois de realizadas, e já suficientemente analisadas e compreendidas, elas são de grande importância para outras pessoas que podem querer passar pelos mesmos processos. Aqui é a comunicação, a tal da intersubjetividade, quando um ser consegue comunicar a outro por meio da identificação, da compreensão de significados, quando algo toca e estimula à transcendência de uma ideia ou situação, sugerindo novos pensamentos e atos.
Quando escrevo desejo sempre ser ao máximo exemplificadora para estabelecer humanidade em minhas ideias e, assim, poder estender uma mão que favoreça uma identificação ou a reflexão sobre uma possível divergência. Fazer pensar, fazer sentir, fazer agir, expondo a nudez da minha alma, naquilo que para mim também é o possível conhecido de mim mesma.
mercoledì 1 agosto 2012
martedì 31 luglio 2012
Olimpíada 2012
Em matéria de esportes sigo a famosa frase de Neuzinha Brizola: "Quando me dá vontade de fazer ginástica, deito e espero passar." Na escola eu só conseguia jogar handebol e queimada, na verdade eu corria da bola velozmente; e na maior parte do tempo ficava lendo revistas, sentada no banco em frente a quadra. Pratiquei exercícios na escola e ainda os pratico, mas com uma periodicidade de dar dó. Vôlei de praia com os colegas, mas eu nem me lembro como eu conseguia. Corria aos 17 anos e parei. Frequentei uma academia para fazer aeróbica aos 19 e desisti. Quando os meninos eram pequenos eu nadei para acompanhá-los, mas foi só por um ano, penso que lá por 1992 ou 1993. Com 35 anos eu frequentei hidroginástica por oito meses com a minha mãe e uma tia, aí começou uma modinha de axé para as aulas e também parei (gostava mais das musiquinhas estilo zen). Fiz musculação aos 38 e depois de seis meses parei. Aos 41 me matriculei em pilates, cumpri apenas uma aula. Em 2006, com 42 anos, fiz novamente musculação por novos seis meses e retornei em 2009 por longos dez meses. Daí para frente sigo meu próprio programa de exercícios, o que faço uma semana sim e oito meses não... vergonhoso para quem tem campeão olímpico na família, Rogério Sampaio. Além disso, há a questão da necessidade de exercícios para a manutenção da saúde física e mental, os quais eu tenho desprezado.
Meus filhos fizeram de tudo: natação, futebol de campo, futebol de quadra, judô, tênis e yoga. E hoje com 24 e 22 anos são como a mãe, surtos de atividades e períodos de interregno longuíssimos.
Mas o quadro acima desenhado não implica em não gostar de esportes. Tenho predileção especial por assistir jogos de grandes campeonatos e de momentos culminantes como Copas do Mundo, Olimpíadas e torneios internacionais, especialmente para acompanhar o desempenho dos atletas brasileiros em vôlei de praia e quadra, futebol de campo, ginástica artística e judô, sempre sentada em casa, em frente à TV ou PC.
No momento estou acompanhando, com meu filho Pedro, a Olimpíada de Londres pelo canal Band Sports, por meio da internet. E claro, o estou enlouquecendo com meus comentários estapafúrdios; por exemplo, de futebol não entendo nada mas ainda assim vou falando, e ele indignado com a minha ignorância; se os jogadores ficam ali passando a bola um para o outro no meio do campo e não avançam, eu já começo a xingar e tudo mais, aí o Pedrão diz "é tática!", e quando no último jogo contra a Bielo-Rússia saiu logo um gol do Neymar depois daquela cera toda, ele me disse: "tá vendo mãe, a tática dá certo, vai entrando devagarinho e na hora certa é gol"... eu realmente não entendo... fico pensando na grana que aqueles garotos ganham por ano, enquanto tantas equipes vêm de lugares nos quais talvez joguem apenas por amor ao esporte... No caso do vôlei e do judô (que mexem mais com minhas paixões) eu endoido nos comentários e o Pedro não consegue ouvir o que dizem os especialistas, Marcelo Negrão do vôlei e Henrique Guimarães do judô. Enfim, ter mãe, e assistir com ela a Olimpíada, é padecer no paraíso...
Trabalhei por dois anos no Curso de Educação Física e pude acompanhar, como professora, a luta dos alunos para praticarem seus esportes, alguns de forma competitiva, trabalharem, alguns como professores em suas modalidades, e ainda estudarem. Era realmente uma batalha, e alguns deles acabavam por desistir. Mas daquela experiência o que mais me marcou foram as discussões sobre se o esporte deveria ser competitivo ou dedicado às questões de socialização, educação e saúde. Eu realmente penso que pode ser um pouco de tudo e depende muito dos projetos de vida individuais e das políticas públicas de atendimento à população em geral, porque, afinal, por observações na vida familiar e de amigos, no Brasil as famílias têm que despender muito da sua energia e dinheiro para bancar um atleta, ainda mais vinte, trinta atrás. Algumas prefeituras se movimentam e atendem algumas modalidades incentivando os jovens e crianças com bolsas de estudo e auxílio para alimentação e transporte, construindo ginásios para treinamento; meu sobrinho Rodrigo, por exemplo, ginasta artístico, recebe um incentivo desse tipo da cidade de Santos. Mas se vê que, na maioria dos casos, são técnicos denodados e alguns patrocinadores apostando nos atletas. Sem falar na falta de atendimento à populaçao carente. Passando por alguns bairros de periferia, acaba-se por ver, em pleno domingo, a molecada reunida em praças que nem jardinagem têm, em esquinas, e é claro, se não há esportes, há drogas e ideias interessantes de fazer algo para conseguir mais drogas. Energia demais na juventude para ser desperdiçada assim...
No caso do esporte competitivo, em especial durante a Olimpíada, vê-se que o lema divulgado pelo educador francês Pierri de Fredy, conhecido como Barão de Coubertin, é pronunciado por um bispo nos Jogos de 1908, "O importante não é vencer, mas competir. E com dignidade", nao é ainda integralmente praticado. Os casos de doping e a ferocidade em alguns combates e jogos deixa a desejar a ideia de que "o importante é participar".
Se pensarmos na quantidade de pessoas que praticam esportes competitivos no planeta, realmente é uma grande honra e uma vitória antecipada participar de Jogos Olímpicos e de Paraolimpíadas. Imagine que dentre milhões, aqueles atletas representam o que de melhor as civilizações humanas conseguiram em termos de evolução das técnicas físicas e psicológicas, da alimentação e da medicina para construírem e aperfeiçoarem seres humanos, em seus corpos e suas mentes, a fim de superarem dores e fadigas. Penso também que, em termos da evolução do corpo físico, o esporte competitivo é importantíssimo pois demonstra novos limites para o desempenho físico humano. Por outro lado, as lesões e as consequências a longo prazo para atletas são gravíssimas, seja para os de alto nível ou para os que praticam pelada na praia. De qualquer maneira, vejo na família pessoas que praticam transferência de canal por controle remoto, e que também apresentam várias sequelas pela falta de movimento. Não tem jeito, o corpo humano é uma maquininha limitada e com tempo de validade, ao menos por enquanto...
Parece-me que os comentaristas televisivos dirigem as emoções dos telespectadores, às vezes de maneira um pouco anti-ética, estimulando algumas raivas com relação à equipe adversária, como por exemplo "podia dar uma zica", "olha a atleta dando aquela secada básica", "a equipe x, nossa rival" e daí por diante... e os comentaristas especialistas, em geral ex-árbitros ou ex-atletas, muito mais demonstram altruísmo, elogiando as performances dos oponentes e apontando as falhas dos brasileiros. Outra coisa irritante é ver como a mídia faz loas para os vitoriosos e despreza os perdedores; como cobra dos vitoriosos novos altos desempenhos; ou ainda como aponta como azarão um desconhecido que se apresenta como campeão, desconhecendo totalmente sua trajetória no esporte, muitas vezes de grande desempenho, mas fora da luz dos holofotes midiáticos. Políticas públicas e canais de televisão privilegiam alguns esportes que dão resultados e desprezam outros que, se não atingem os escores desejáveis, é justamente porque faltam os incentivos. Lembro sempre de uma reportagem em que se noticiava que uma atleta brasileira treinava corrida descalça porque não tinha tênis, o que segundo Evaristo Neto, não é um caso raro, tendo alguns desses meninos chegado à Seleção Brasileira de Atletismo.
O lance é que no capitalismo e no socialismo (capitalismo de estado) é assim mesmo, para o primeiro é a grana, o lucro, os patrocinadores, o consumo, para o segundo, a supremacia, o poder e a propaganda do regime.
Mas, como diz Drummond, "de tudo fica um pouco"..., e mesmo sabendo de todo o emaranhado de ideias que me assaltam ao acompanhar mais uma Olimpíada, ainda me emociono ao ver todos aqueles atletas reunidos, apresentando sua cultura, suas histórias marcadas em seus corpos, a realização ou a frustração de tantos anos de dedicação exclusiva para ter o julgamento de seu desempenho em poucos minutos.
Logo logo sera a Paraolimpíada e aí veremos com certeza o esporte solidário, em que atletas comprometidos por sequelas físicas e mentais praticam competitivamente seus esportes, mas sem abandonar o respeito e o carinho pelo oponente, o que não recorda em nada um adversário. Penso aqui nas Olimpíadas Especiais de Seatle, quando, em 1992, durante uma corrida, um corredor caiu e foi auxiliado por uma colega portadora de Síndrome de Down e, junto aos demais competidores, de mãos dadas, foram até a linha de chegada. Em outros eventos de não portadores de necessidades especiais, vi atletas pisando, chutando e unhando. Recordo agora de um caso que li em algum livro espírita, em que um certo indivíduo desejava reencarnar como professor de cegos e o seu orientador lhe indicou que primeiro nascesse como cego e depois, numa futura volta ao corpo, viesse então como professor, para conhecer realmente do que se tratava. Talvez, partilhando as mesmas dificuldades, os paratletas sintam e pratiquem mais a solidariedade.
O que importa é que há muito o que se pensar sobre esportes e sua importância para a espécie humana para que a gente fique apenas presa da emoção.
Meus filhos fizeram de tudo: natação, futebol de campo, futebol de quadra, judô, tênis e yoga. E hoje com 24 e 22 anos são como a mãe, surtos de atividades e períodos de interregno longuíssimos.
Mas o quadro acima desenhado não implica em não gostar de esportes. Tenho predileção especial por assistir jogos de grandes campeonatos e de momentos culminantes como Copas do Mundo, Olimpíadas e torneios internacionais, especialmente para acompanhar o desempenho dos atletas brasileiros em vôlei de praia e quadra, futebol de campo, ginástica artística e judô, sempre sentada em casa, em frente à TV ou PC.
No momento estou acompanhando, com meu filho Pedro, a Olimpíada de Londres pelo canal Band Sports, por meio da internet. E claro, o estou enlouquecendo com meus comentários estapafúrdios; por exemplo, de futebol não entendo nada mas ainda assim vou falando, e ele indignado com a minha ignorância; se os jogadores ficam ali passando a bola um para o outro no meio do campo e não avançam, eu já começo a xingar e tudo mais, aí o Pedrão diz "é tática!", e quando no último jogo contra a Bielo-Rússia saiu logo um gol do Neymar depois daquela cera toda, ele me disse: "tá vendo mãe, a tática dá certo, vai entrando devagarinho e na hora certa é gol"... eu realmente não entendo... fico pensando na grana que aqueles garotos ganham por ano, enquanto tantas equipes vêm de lugares nos quais talvez joguem apenas por amor ao esporte... No caso do vôlei e do judô (que mexem mais com minhas paixões) eu endoido nos comentários e o Pedro não consegue ouvir o que dizem os especialistas, Marcelo Negrão do vôlei e Henrique Guimarães do judô. Enfim, ter mãe, e assistir com ela a Olimpíada, é padecer no paraíso...
Trabalhei por dois anos no Curso de Educação Física e pude acompanhar, como professora, a luta dos alunos para praticarem seus esportes, alguns de forma competitiva, trabalharem, alguns como professores em suas modalidades, e ainda estudarem. Era realmente uma batalha, e alguns deles acabavam por desistir. Mas daquela experiência o que mais me marcou foram as discussões sobre se o esporte deveria ser competitivo ou dedicado às questões de socialização, educação e saúde. Eu realmente penso que pode ser um pouco de tudo e depende muito dos projetos de vida individuais e das políticas públicas de atendimento à população em geral, porque, afinal, por observações na vida familiar e de amigos, no Brasil as famílias têm que despender muito da sua energia e dinheiro para bancar um atleta, ainda mais vinte, trinta atrás. Algumas prefeituras se movimentam e atendem algumas modalidades incentivando os jovens e crianças com bolsas de estudo e auxílio para alimentação e transporte, construindo ginásios para treinamento; meu sobrinho Rodrigo, por exemplo, ginasta artístico, recebe um incentivo desse tipo da cidade de Santos. Mas se vê que, na maioria dos casos, são técnicos denodados e alguns patrocinadores apostando nos atletas. Sem falar na falta de atendimento à populaçao carente. Passando por alguns bairros de periferia, acaba-se por ver, em pleno domingo, a molecada reunida em praças que nem jardinagem têm, em esquinas, e é claro, se não há esportes, há drogas e ideias interessantes de fazer algo para conseguir mais drogas. Energia demais na juventude para ser desperdiçada assim...
No caso do esporte competitivo, em especial durante a Olimpíada, vê-se que o lema divulgado pelo educador francês Pierri de Fredy, conhecido como Barão de Coubertin, é pronunciado por um bispo nos Jogos de 1908, "O importante não é vencer, mas competir. E com dignidade", nao é ainda integralmente praticado. Os casos de doping e a ferocidade em alguns combates e jogos deixa a desejar a ideia de que "o importante é participar".
Se pensarmos na quantidade de pessoas que praticam esportes competitivos no planeta, realmente é uma grande honra e uma vitória antecipada participar de Jogos Olímpicos e de Paraolimpíadas. Imagine que dentre milhões, aqueles atletas representam o que de melhor as civilizações humanas conseguiram em termos de evolução das técnicas físicas e psicológicas, da alimentação e da medicina para construírem e aperfeiçoarem seres humanos, em seus corpos e suas mentes, a fim de superarem dores e fadigas. Penso também que, em termos da evolução do corpo físico, o esporte competitivo é importantíssimo pois demonstra novos limites para o desempenho físico humano. Por outro lado, as lesões e as consequências a longo prazo para atletas são gravíssimas, seja para os de alto nível ou para os que praticam pelada na praia. De qualquer maneira, vejo na família pessoas que praticam transferência de canal por controle remoto, e que também apresentam várias sequelas pela falta de movimento. Não tem jeito, o corpo humano é uma maquininha limitada e com tempo de validade, ao menos por enquanto...
Parece-me que os comentaristas televisivos dirigem as emoções dos telespectadores, às vezes de maneira um pouco anti-ética, estimulando algumas raivas com relação à equipe adversária, como por exemplo "podia dar uma zica", "olha a atleta dando aquela secada básica", "a equipe x, nossa rival" e daí por diante... e os comentaristas especialistas, em geral ex-árbitros ou ex-atletas, muito mais demonstram altruísmo, elogiando as performances dos oponentes e apontando as falhas dos brasileiros. Outra coisa irritante é ver como a mídia faz loas para os vitoriosos e despreza os perdedores; como cobra dos vitoriosos novos altos desempenhos; ou ainda como aponta como azarão um desconhecido que se apresenta como campeão, desconhecendo totalmente sua trajetória no esporte, muitas vezes de grande desempenho, mas fora da luz dos holofotes midiáticos. Políticas públicas e canais de televisão privilegiam alguns esportes que dão resultados e desprezam outros que, se não atingem os escores desejáveis, é justamente porque faltam os incentivos. Lembro sempre de uma reportagem em que se noticiava que uma atleta brasileira treinava corrida descalça porque não tinha tênis, o que segundo Evaristo Neto, não é um caso raro, tendo alguns desses meninos chegado à Seleção Brasileira de Atletismo.
O lance é que no capitalismo e no socialismo (capitalismo de estado) é assim mesmo, para o primeiro é a grana, o lucro, os patrocinadores, o consumo, para o segundo, a supremacia, o poder e a propaganda do regime.
Mas, como diz Drummond, "de tudo fica um pouco"..., e mesmo sabendo de todo o emaranhado de ideias que me assaltam ao acompanhar mais uma Olimpíada, ainda me emociono ao ver todos aqueles atletas reunidos, apresentando sua cultura, suas histórias marcadas em seus corpos, a realização ou a frustração de tantos anos de dedicação exclusiva para ter o julgamento de seu desempenho em poucos minutos.
Logo logo sera a Paraolimpíada e aí veremos com certeza o esporte solidário, em que atletas comprometidos por sequelas físicas e mentais praticam competitivamente seus esportes, mas sem abandonar o respeito e o carinho pelo oponente, o que não recorda em nada um adversário. Penso aqui nas Olimpíadas Especiais de Seatle, quando, em 1992, durante uma corrida, um corredor caiu e foi auxiliado por uma colega portadora de Síndrome de Down e, junto aos demais competidores, de mãos dadas, foram até a linha de chegada. Em outros eventos de não portadores de necessidades especiais, vi atletas pisando, chutando e unhando. Recordo agora de um caso que li em algum livro espírita, em que um certo indivíduo desejava reencarnar como professor de cegos e o seu orientador lhe indicou que primeiro nascesse como cego e depois, numa futura volta ao corpo, viesse então como professor, para conhecer realmente do que se tratava. Talvez, partilhando as mesmas dificuldades, os paratletas sintam e pratiquem mais a solidariedade.
O que importa é que há muito o que se pensar sobre esportes e sua importância para a espécie humana para que a gente fique apenas presa da emoção.
domenica 29 luglio 2012
Culpa x Responsabilidade
Recordo que na pré-adolescência eu ficava horas deitada na cama, muitas vezes quase a noite inteira, preocupada se meus comportamentos, sentimentos e ideias eram adequados, se eu estaria à altura das expectativas familiares, em especial às da minha mãe e da minha avó materna. Ao mesmo tempo que sentia que eu pensava diferente das duas e dos demais familiares, também cria que deveria me aproximar mais de suas formas de entender o mundo, o que evidentemente era impossível, não se pode agradar a gregos e troianos ao mesmo tempo.
Aos doze anos eu escrevia quadrinhas com alusões sexuais e havia descoberto com uma amiga, na biblioteca da escola, Maria Helena, como se faziam bebês. Dentro da minha cabecinha eu andava cometendo pecados ao conhecer tais coisas, e ao dar vazão à minha criatividade com tais escritos. Tinha enormes crises de consciência culpada, até que um dia, farta de mal estar, rasguei as tais quadrinhas. Hoje, se as tivesse em mãos, com certeza riria do seu conteúdo ingênuo, mas na ocasião me pareciam muuuiiitttooo pecaminosas.
Era a vivência da culpa como sentimento judaico-cristão descrita por Nietzsche, a noção do pecado como forma de controle da ação individual por meio de dogmas e restrições de uma fonte externa, seja Deus ou uma determinada Religião. No meu caso era a influência de uma religiosidade católica e de um moralismo familiar que aboliam a palavra sexo do vocabulário e das conversas com crianças. A constante associação das palavras "prazer", "sexo", "desejo" e "paixão" com coisas nojentas e sujas, com desrespeito e safadeza. O mal estar civilizatório era vivido por mim e incorporado fisicamente por meio do meu pensamento, dos juízos que eu fazia de meus próprios sentimentos, desejos e ações.
A culpa era a consequência do sentimento de ter errado, ter pecado, fruto da sensação de arrependimento, da vontade de voltar atrás e não realizar nada daquilo, do desejo de passar uma borracha no passado e voltar a viver tudo novamente de uma forma diferente e mais "limpa".
No filme de Woody Allen Manhattan Murder Mystery, em português Crimes e Pecados, a gente encontra o personagem Judah, com Martin Landau. Ele comete um crime e depois seu grande dilema é enfrentar o sentimento de culpa e as artimanhas psicológicas para compensar religiosamente o pecado, para sentir-se melhor com sua própria consciência. Nunca cometi nenhum ato tão radical como o personagem de Landau mas o fato de, enquanto católica, ter me confessado com um padre ou mesmo na confissão comunitária, me fez estabelecer fortes conexões com o tal Judah. Pecar e ter que se confessar com alguém, de se livrar da culpa de alguma maneira. Em verdade o problema do personagem não seria o ter pecado mas o ter tirado a vida de alguém para seu benefício pessoal, como se a pessoa assassinada fosse um objeto a ser descartado. E mais ainda, a questão não era a de como extirpar a culpa, mas como responsabilizar-se por ela, o que evidentemente não o fez.
A minha história psicológica no aspecto de construção e assunção da minha consciência tem sido a de procurar transcender a culpa e substitui-la pela responsabilidade. E ainda mais, que minhas ações não podem mais ser julgadas por determinações externas de ordens, tabus e normas religiosos, familiares ou sociais, mas que a categorização do que eu promovo deve emanar do reconhecimento interno de que minhas ações, pensamentos e palavras, podem atingir outras pessoas e seres de maneira benéfica ou maléfica, e que seja qual for a consequência, eu agrego à mim as energias provenientes do pensamento ou dos sentimentos do possível atingido.
Responsabilidade como pensamento e atitude existencialista (estou pensando especialmente em Jean-Paul Sartre) seria eu entender que estou sempre em um contexto sendo continuamente confrontada com meus próprios atos e com os atos alheios, que tudo o que faço tem repercussões fora de mim, que os ajuizamentos feitos acerca de minhas ações são sempre calcados em valores construídos socialmente, ou, no máximo, criados por mim com as influências do meu meio. E ainda avançando nessa concepção existencialista, não há atos certos ou errados. A grande angústia de quem assume sua existência é a de saber que escolhas conscientes não têm a ver com escolhas certas. Todas as escolhas implicam em consequências agradáveis e em desagradáveis. Não posso responsabilizar ninguém pelo que eu faço, penso ou falo. Eu sou o criador de mim mesmo dentro do meu contexto de eco-auto-construção. Não há apenas existencialismos ateus, como o de Sartre, e eu me incluo entre os admiradores da filosofia existencialista no que diz respeito ao conceito de responsabilidade e de crença na construção existencial dos valores, mas não nego o meu reconhecimento de que há o Amor e o Bem como leis de funcionamento universal. Eu não comungo com a ideia de um Deus antropomórfico a ditar regrinhas básicas de convivência, mas creio firmemente numa organicidade da vida em meio aos viventes do universo que se interrelacionam e estão mergulhados na própria fonte da vida, chame-se isso lá como quiser; e que, de qualquer maneira, isso implica em expandir os conceitos sartreanos para uma mais ampla concepção de mundo.
Então, daí, todas as vezes em que cometi atos sem a devida reflexão e acabei por atingir pessoas, justa ou injustamente, tive que arcar com as consequências, e com isso acabei por abandonar cadeiras de trabalho na docência, funções pedagógicas, relacionamentos afetivos e certas amizades, não sem antes fazer o ritual do mea culpa. Não era uma questão de me humilhar ou fazer um cerimonial para dizer "vejam como eu sou certinha", mas para eu ser justa comigo mesma, assumir perante minha consciência que ao cometer algo inadequado eu deveria arcar com as consequências e evitar as situações que me levariam a incorrer novamente na mesma atitude.
Do ponto de vista espiritual então nem se fale, ou como diz gostosamente minha vozinha "nem falemos!". Quando alguma coisa não andava bem na minha consciência, eu, quando deitava, sentia como se meu corpo espiritual fosse imenso, não num bom sentido, mas como se eu fosse me autoesmagar, diferente daquela expansão gostosa que advém da meditação em que se sente quase desprender de vez. A sensação de culpa era como um imã que me arrastasse pra baixo. Com o tempo fui discernindo que muitas vezes não era eu que me sentia culpada mas era como se alguém invisível me fizesse sentir culpada, era como se uma consciência extra entrasse em minha própria individualidade e me fizesse pensar que eu pensava aquilo. E aí fui me libertando pouco a pouco.
O que eu procuro exercitar ainda hoje é tentar refletir acerca dos meus sentimentos e pensamentos, procurando identificar suas origens, afinal, se eu já desenvolvi o conceito de responsabilidade como transcendência da ideia de culpa, quando me sinto culpada e arrependida aquilo só pode ser de origem externa a mim mesma.
Arrependimento é coisa estranha. Se eu sei que quando agi erradamente no passado (que pode ser um minuto atrás) só agi assim porque não saberia agir de outra maneira, dadas minhas formas de pensar e entender, bem como de acordo com os automatismos irrefletidos, não há o que culpar nem lamentar, é tentar agora empreender um outro caminho, ficar mais atenta para não incorrer nas mesmas inconveniências, consertar o que se fez se puder e, se não puder, partir para um aberto pedido de perdão mental a quem a gente ofendeu ou atingiu de alguma maneira. Me acalma, ao deitar à noite, empreender monólogos silenciosos em que me dirijo às imagens mentais das pessoas ou às situações que me deram sensação de inadequação às leis universais do Bem e do Amor, da solidariedade e do respeito, peço-lhes perdão, explico-lhes porque tudo se deu como se deu e falo que está tudo bem, liberto-as de mim e me liberto delas, envio meus melhores sentimentos e lhes desejo belas e frutuosas experiências de vida aqui, agora e sempre.
Aos doze anos eu escrevia quadrinhas com alusões sexuais e havia descoberto com uma amiga, na biblioteca da escola, Maria Helena, como se faziam bebês. Dentro da minha cabecinha eu andava cometendo pecados ao conhecer tais coisas, e ao dar vazão à minha criatividade com tais escritos. Tinha enormes crises de consciência culpada, até que um dia, farta de mal estar, rasguei as tais quadrinhas. Hoje, se as tivesse em mãos, com certeza riria do seu conteúdo ingênuo, mas na ocasião me pareciam muuuiiitttooo pecaminosas.
Era a vivência da culpa como sentimento judaico-cristão descrita por Nietzsche, a noção do pecado como forma de controle da ação individual por meio de dogmas e restrições de uma fonte externa, seja Deus ou uma determinada Religião. No meu caso era a influência de uma religiosidade católica e de um moralismo familiar que aboliam a palavra sexo do vocabulário e das conversas com crianças. A constante associação das palavras "prazer", "sexo", "desejo" e "paixão" com coisas nojentas e sujas, com desrespeito e safadeza. O mal estar civilizatório era vivido por mim e incorporado fisicamente por meio do meu pensamento, dos juízos que eu fazia de meus próprios sentimentos, desejos e ações.
A culpa era a consequência do sentimento de ter errado, ter pecado, fruto da sensação de arrependimento, da vontade de voltar atrás e não realizar nada daquilo, do desejo de passar uma borracha no passado e voltar a viver tudo novamente de uma forma diferente e mais "limpa".
No filme de Woody Allen Manhattan Murder Mystery, em português Crimes e Pecados, a gente encontra o personagem Judah, com Martin Landau. Ele comete um crime e depois seu grande dilema é enfrentar o sentimento de culpa e as artimanhas psicológicas para compensar religiosamente o pecado, para sentir-se melhor com sua própria consciência. Nunca cometi nenhum ato tão radical como o personagem de Landau mas o fato de, enquanto católica, ter me confessado com um padre ou mesmo na confissão comunitária, me fez estabelecer fortes conexões com o tal Judah. Pecar e ter que se confessar com alguém, de se livrar da culpa de alguma maneira. Em verdade o problema do personagem não seria o ter pecado mas o ter tirado a vida de alguém para seu benefício pessoal, como se a pessoa assassinada fosse um objeto a ser descartado. E mais ainda, a questão não era a de como extirpar a culpa, mas como responsabilizar-se por ela, o que evidentemente não o fez.
A minha história psicológica no aspecto de construção e assunção da minha consciência tem sido a de procurar transcender a culpa e substitui-la pela responsabilidade. E ainda mais, que minhas ações não podem mais ser julgadas por determinações externas de ordens, tabus e normas religiosos, familiares ou sociais, mas que a categorização do que eu promovo deve emanar do reconhecimento interno de que minhas ações, pensamentos e palavras, podem atingir outras pessoas e seres de maneira benéfica ou maléfica, e que seja qual for a consequência, eu agrego à mim as energias provenientes do pensamento ou dos sentimentos do possível atingido.
Responsabilidade como pensamento e atitude existencialista (estou pensando especialmente em Jean-Paul Sartre) seria eu entender que estou sempre em um contexto sendo continuamente confrontada com meus próprios atos e com os atos alheios, que tudo o que faço tem repercussões fora de mim, que os ajuizamentos feitos acerca de minhas ações são sempre calcados em valores construídos socialmente, ou, no máximo, criados por mim com as influências do meu meio. E ainda avançando nessa concepção existencialista, não há atos certos ou errados. A grande angústia de quem assume sua existência é a de saber que escolhas conscientes não têm a ver com escolhas certas. Todas as escolhas implicam em consequências agradáveis e em desagradáveis. Não posso responsabilizar ninguém pelo que eu faço, penso ou falo. Eu sou o criador de mim mesmo dentro do meu contexto de eco-auto-construção. Não há apenas existencialismos ateus, como o de Sartre, e eu me incluo entre os admiradores da filosofia existencialista no que diz respeito ao conceito de responsabilidade e de crença na construção existencial dos valores, mas não nego o meu reconhecimento de que há o Amor e o Bem como leis de funcionamento universal. Eu não comungo com a ideia de um Deus antropomórfico a ditar regrinhas básicas de convivência, mas creio firmemente numa organicidade da vida em meio aos viventes do universo que se interrelacionam e estão mergulhados na própria fonte da vida, chame-se isso lá como quiser; e que, de qualquer maneira, isso implica em expandir os conceitos sartreanos para uma mais ampla concepção de mundo.
Então, daí, todas as vezes em que cometi atos sem a devida reflexão e acabei por atingir pessoas, justa ou injustamente, tive que arcar com as consequências, e com isso acabei por abandonar cadeiras de trabalho na docência, funções pedagógicas, relacionamentos afetivos e certas amizades, não sem antes fazer o ritual do mea culpa. Não era uma questão de me humilhar ou fazer um cerimonial para dizer "vejam como eu sou certinha", mas para eu ser justa comigo mesma, assumir perante minha consciência que ao cometer algo inadequado eu deveria arcar com as consequências e evitar as situações que me levariam a incorrer novamente na mesma atitude.
Do ponto de vista espiritual então nem se fale, ou como diz gostosamente minha vozinha "nem falemos!". Quando alguma coisa não andava bem na minha consciência, eu, quando deitava, sentia como se meu corpo espiritual fosse imenso, não num bom sentido, mas como se eu fosse me autoesmagar, diferente daquela expansão gostosa que advém da meditação em que se sente quase desprender de vez. A sensação de culpa era como um imã que me arrastasse pra baixo. Com o tempo fui discernindo que muitas vezes não era eu que me sentia culpada mas era como se alguém invisível me fizesse sentir culpada, era como se uma consciência extra entrasse em minha própria individualidade e me fizesse pensar que eu pensava aquilo. E aí fui me libertando pouco a pouco.
O que eu procuro exercitar ainda hoje é tentar refletir acerca dos meus sentimentos e pensamentos, procurando identificar suas origens, afinal, se eu já desenvolvi o conceito de responsabilidade como transcendência da ideia de culpa, quando me sinto culpada e arrependida aquilo só pode ser de origem externa a mim mesma.
Arrependimento é coisa estranha. Se eu sei que quando agi erradamente no passado (que pode ser um minuto atrás) só agi assim porque não saberia agir de outra maneira, dadas minhas formas de pensar e entender, bem como de acordo com os automatismos irrefletidos, não há o que culpar nem lamentar, é tentar agora empreender um outro caminho, ficar mais atenta para não incorrer nas mesmas inconveniências, consertar o que se fez se puder e, se não puder, partir para um aberto pedido de perdão mental a quem a gente ofendeu ou atingiu de alguma maneira. Me acalma, ao deitar à noite, empreender monólogos silenciosos em que me dirijo às imagens mentais das pessoas ou às situações que me deram sensação de inadequação às leis universais do Bem e do Amor, da solidariedade e do respeito, peço-lhes perdão, explico-lhes porque tudo se deu como se deu e falo que está tudo bem, liberto-as de mim e me liberto delas, envio meus melhores sentimentos e lhes desejo belas e frutuosas experiências de vida aqui, agora e sempre.
giovedì 26 luglio 2012
minha vida é um cardápio
Um dia desses, estava um pouco irritada, sabe-se lá porque, com o olhar já enviesado para tudo, e ao ser requestada sobre o que comeríamos à noite (estava ainda participando da elaboração do almoço), eu soltei um: "Ai, minha vida tá se tornando um cardápio!"... e aquilo ficou repercutindo na minha cabeça. Depois, mais acalmada, eu percebi que aquela frase dizia muito pra mim mesma e num sentido muito legal.
Eu sou do tipo que não perde a fome nem mesmo quando adoecida. Quando tristíssima tenho vontade de comer todas as coisas que fazem mal e engordam, tendo açúcar e gordura melhor ainda! E quando alegre gosto de coisas mais nutritivas e frescas, leves e saborosas; mas, as quantidades nunca variam, meu prato preferido é CHEIO, como se eu fosse um antigo estivador, um peão de obra ou um agricultor.
Adoro ir ao supermercado e à feira, ver todas aquelas pessoas escolhendo produtos e alimentos, pensando nas futuras fomes, nos futuros momentos de congraçamento ruidoso familiar e com amigos, ou comendo enquanto um prazer silencioso e discreto. Organizar os alimentos na geladeira, no congelador, no armário, adoro!
E agora morando com um cara que curte um horto e ainda vive na cozinha, só posso proclamar: Mangia che ti fa bene!
Quando estou no skype com alguém da família, pergunto sobre o que está comendo ou o que vai comer, quero detalhes, e depois, chego a sonhar com situações em que revejo meus queridos do coração e com eles caio de boca na comida.
Fecho os olhos e boto pra quebrar com minha memória estereognóstica: são sons, cores, cheiros, imagens, sabores, texturas, uma loucura! Realmente Mnemosine me agracia.
Na casa dos meus pais sempre se come fora, ou seja, num puxadinho nos fundos da casa. As festinhas na minha mãe Therezinha são com os salgados assados do Seu Rui e os bolos da Marleide Monteiro. Os churrasquinhos de carne de vaca, linguiça e frango do Dinho, meu pai, nos finais de semana, com a churrasqueirinha elétrica em cima da pia, sempre com uma farofinha com legumes, o arroz, um vinagrete "da ora" e uma saladinha de maionese ou um belo salpicão. Todos comendo e falando sem parar ou então grudados na TV que fica em frente à mesa, enquanto meu pai come e assa as carnes ao mesmo tempo. Sem falar nas famosas discussões que alguns de nós fazem (Euzinha é claro! Sempre atormentando minha irmã Ana Claudia).
Níver na casa da minha irmã Katia Regina é com um bela feijoada light com arroz, couve manteiga e um molho picante. Ficar só no primeiro prato é um pecado, a garota cozinha muito bem!
E as festinhas da época de infância em que ir aos aniversários era um acontecimento; me lembro de ficar embaixo de uma mesa comendo empadinhas e suas maravilhosas azeitonas, bebendo guaraná Antarctica (que luxo que era!).
Também nos casamentos tive momentos fulgurantes. Lembro que as mulheres da família e amigas se reuniam uma semana antes e cozinhavam em mutirões que garantiriam a comilança das festas. E ao ir à casa da Dulce para o casamento da Marilene e do Sérgio, fiquei ajudando a mãe da noiva na cozinha, Olga, com entrada direta ao QG da organização e distribuição dos comes e bebes. Ficava num quarto e era tudo passado por uma janela. Uma farra! Mas o melhor mesmo foi a Olga me dar um IMENSO (como a minha imaginação infantil registrou) prato de docinhos (olhos de sogra, brigadeiros clássicos e brancos, abacaxizinhos, cajuzinhos...) ao final da festa, um delírio! Ah como era bom comer sem pensar em calorias e colesterol e peso e glicose e sei lá mais o que...
Havia também as saídas da Mocidade Espírita Carlos Alberto da Silva Lourenço, do Centro Espírita Henrique Seara, ao Itapura, um antigo restaurante em São Vicente no sistema pague um x e coma o quanto e o que quiser (vá imaginando) que ficava originalmente próximo à ponte do Mar Pequeno. Só peixes e frutos do mar hummm
Mas nem tudo são delícias, também ha as tristezas, como quando eu só tinha dois ovos para comer, grávida de nove meses, e meu ex-sogro comeu tudo; eu fiquei a ver navios. Os dias em que comia pouco eu compensava comendo um dia da semana na minha mãe e um outro na minha vó Cici. Quanto devo às duas... Cheguei a perder um quilo no nono mês de gravidez do Vladimir. Tudo passou e hoje eu compenso bem rsrsr
Também têm as situações engraçadas em que eu tive, por exemplo, um amigo para comer em casa, o Rodrigo, professor de Inglês, para o qual fiz uma macarronada abundante em linguiças, o problema é que o coitado era vegetariano. Ou quando meu ex-aluno e amigo Danilo baixou lá em casa e, ao ser convidado para almoçar, eu fiz um pratão de macarrão com frango nadando em molho de tomate, só que ele não comia nada daquilo.
Lembro das crianças pequenas e eu a fazer pãezinhos com paté de ricota. Eram para o Vladinho e o Pedrinho levarem de lanchinho para o recreio. As férias escolares e os bolos para tomar com café, os famosos bolinhos de chuva e de vinagre e por aí vai...
Viagens a Minas geraram o meu feijão semanal com linguiça, louro, alho e cebola abundantes, acompanhados de couve mineira, pimenta (o Angelo plantou muuuiiitttoosss pezinhos de couve e de pimentas), arroz branco e uma farofa com farinha de polenta (tenho que me adaptar aqui na Itália).
Seria interminável aqui contar tudo, mas, enfim, realmente não consigo lembrar nada sem relacionar com comida. Pessoas, sentimentos, ideias, tudo sempre na linha de frente com o pano de fundo da cozinha.
Veja que utilizei mil exclamações, e não poderia ser diferente; só assim poderia expressar essa minha paixão em recorrência... Ai, que bom que a minha vida é um cardápio! Só posso fechar esse texto com uma citação feita pelo Caco Galhardo no Roda Viva da TV Cultura e atribuída a Raduan Nassar: "Toda literatura não vale o cheiro do alho dourando no azeite".
Eu sou do tipo que não perde a fome nem mesmo quando adoecida. Quando tristíssima tenho vontade de comer todas as coisas que fazem mal e engordam, tendo açúcar e gordura melhor ainda! E quando alegre gosto de coisas mais nutritivas e frescas, leves e saborosas; mas, as quantidades nunca variam, meu prato preferido é CHEIO, como se eu fosse um antigo estivador, um peão de obra ou um agricultor.
Adoro ir ao supermercado e à feira, ver todas aquelas pessoas escolhendo produtos e alimentos, pensando nas futuras fomes, nos futuros momentos de congraçamento ruidoso familiar e com amigos, ou comendo enquanto um prazer silencioso e discreto. Organizar os alimentos na geladeira, no congelador, no armário, adoro!
E agora morando com um cara que curte um horto e ainda vive na cozinha, só posso proclamar: Mangia che ti fa bene!
Quando estou no skype com alguém da família, pergunto sobre o que está comendo ou o que vai comer, quero detalhes, e depois, chego a sonhar com situações em que revejo meus queridos do coração e com eles caio de boca na comida.
Fecho os olhos e boto pra quebrar com minha memória estereognóstica: são sons, cores, cheiros, imagens, sabores, texturas, uma loucura! Realmente Mnemosine me agracia.
Na casa dos meus pais sempre se come fora, ou seja, num puxadinho nos fundos da casa. As festinhas na minha mãe Therezinha são com os salgados assados do Seu Rui e os bolos da Marleide Monteiro. Os churrasquinhos de carne de vaca, linguiça e frango do Dinho, meu pai, nos finais de semana, com a churrasqueirinha elétrica em cima da pia, sempre com uma farofinha com legumes, o arroz, um vinagrete "da ora" e uma saladinha de maionese ou um belo salpicão. Todos comendo e falando sem parar ou então grudados na TV que fica em frente à mesa, enquanto meu pai come e assa as carnes ao mesmo tempo. Sem falar nas famosas discussões que alguns de nós fazem (Euzinha é claro! Sempre atormentando minha irmã Ana Claudia).
Níver na casa da minha irmã Katia Regina é com um bela feijoada light com arroz, couve manteiga e um molho picante. Ficar só no primeiro prato é um pecado, a garota cozinha muito bem!
E as festinhas da época de infância em que ir aos aniversários era um acontecimento; me lembro de ficar embaixo de uma mesa comendo empadinhas e suas maravilhosas azeitonas, bebendo guaraná Antarctica (que luxo que era!).
Também nos casamentos tive momentos fulgurantes. Lembro que as mulheres da família e amigas se reuniam uma semana antes e cozinhavam em mutirões que garantiriam a comilança das festas. E ao ir à casa da Dulce para o casamento da Marilene e do Sérgio, fiquei ajudando a mãe da noiva na cozinha, Olga, com entrada direta ao QG da organização e distribuição dos comes e bebes. Ficava num quarto e era tudo passado por uma janela. Uma farra! Mas o melhor mesmo foi a Olga me dar um IMENSO (como a minha imaginação infantil registrou) prato de docinhos (olhos de sogra, brigadeiros clássicos e brancos, abacaxizinhos, cajuzinhos...) ao final da festa, um delírio! Ah como era bom comer sem pensar em calorias e colesterol e peso e glicose e sei lá mais o que...
Havia também as saídas da Mocidade Espírita Carlos Alberto da Silva Lourenço, do Centro Espírita Henrique Seara, ao Itapura, um antigo restaurante em São Vicente no sistema pague um x e coma o quanto e o que quiser (vá imaginando) que ficava originalmente próximo à ponte do Mar Pequeno. Só peixes e frutos do mar hummm
Mas nem tudo são delícias, também ha as tristezas, como quando eu só tinha dois ovos para comer, grávida de nove meses, e meu ex-sogro comeu tudo; eu fiquei a ver navios. Os dias em que comia pouco eu compensava comendo um dia da semana na minha mãe e um outro na minha vó Cici. Quanto devo às duas... Cheguei a perder um quilo no nono mês de gravidez do Vladimir. Tudo passou e hoje eu compenso bem rsrsr
Também têm as situações engraçadas em que eu tive, por exemplo, um amigo para comer em casa, o Rodrigo, professor de Inglês, para o qual fiz uma macarronada abundante em linguiças, o problema é que o coitado era vegetariano. Ou quando meu ex-aluno e amigo Danilo baixou lá em casa e, ao ser convidado para almoçar, eu fiz um pratão de macarrão com frango nadando em molho de tomate, só que ele não comia nada daquilo.
Lembro das crianças pequenas e eu a fazer pãezinhos com paté de ricota. Eram para o Vladinho e o Pedrinho levarem de lanchinho para o recreio. As férias escolares e os bolos para tomar com café, os famosos bolinhos de chuva e de vinagre e por aí vai...
Viagens a Minas geraram o meu feijão semanal com linguiça, louro, alho e cebola abundantes, acompanhados de couve mineira, pimenta (o Angelo plantou muuuiiitttoosss pezinhos de couve e de pimentas), arroz branco e uma farofa com farinha de polenta (tenho que me adaptar aqui na Itália).
Seria interminável aqui contar tudo, mas, enfim, realmente não consigo lembrar nada sem relacionar com comida. Pessoas, sentimentos, ideias, tudo sempre na linha de frente com o pano de fundo da cozinha.
Veja que utilizei mil exclamações, e não poderia ser diferente; só assim poderia expressar essa minha paixão em recorrência... Ai, que bom que a minha vida é um cardápio! Só posso fechar esse texto com uma citação feita pelo Caco Galhardo no Roda Viva da TV Cultura e atribuída a Raduan Nassar: "Toda literatura não vale o cheiro do alho dourando no azeite".
Entre a razão e a sensibilidade - Rubem Alves na minha vida
Assisti uma entrevista que Antonio Abujamra fez com Rubem Alves e matei as saudades. Matei as saudades das leituras, das ideias e do apaixonamento que me fez colocar Rubem Alves nos meus programas de estudos em Filosofia da Educação e em Prática de Ensino de Filosofia, o que acabou redundando em muitas monografias de final de curso baseadas direta ou indiretamente em seu pensamento.
Recordo-me da primeira vez que tive conhecimento de seus escritos com a guerreira Professora Carmen Lydia Dias Carvalho Lima. Entre vários livros indicados eu li Estórias de quem gosta de ensinar. Gostei das histórias, mas não tinha maturidade intelectual e nem vivencial para entender a fundo seu contexto filosófico. Fiquei na superficialidade da moral das histórias, afinal no primeiro ano de Pedagogia aos 18 anos, não é que havia vivido ou estudado tanto...
Ao longo do curso e durante o início de carreira, fui me enfronhando em outros territórios contraditórios, ora no Escolanovismo enquanto exemplo de prática didática, ora na dialética marxista enquanto fundamentação para análise do fenômeno educativo num espectro de interdependência sócio-político-econômico-cultural, bem como de enfrentamento da ideologia dominante e formação da consciência política, especialmente segundo Paulo Freire (no qual eu ainda não havia me dado conta do arcabouço fenomenológico de seu discurso).
Anos depois, num curso de especialização em Educação Brasileira, deitei e rolei em leituras de Antonio Gramsci e Dermeval Saviani, acabando por valorizar por demais a formação intelectual como maneira de autonomizar o indivíduo da ideologia dominante imposta pelas classes homogeneizadoras da cultura. Dar ao indivíduo do povo os instrumentos culturais usufruídos pelas classes político-econômicas dominantes era libertá-lo das limitações ao trabalho escravizador e reprodutor das condições reais de existência. Então, nesse mesmo curso assisti uma aula inaugural de uma disciplina na qual o professor falava de Rubem Alves, exaltando sua teoria, sendo explanada sem indicação de leituras nem maiores aprofundamentos em termos de tempo e espaço. Foi ali e ali mesmo. Eu na minha militância extrema, num momento de envolvimento em greves, cursando Filosofia paralelamente, envolvida na Educação Pública bem como na particular, discutindo o Manifesto do Partido Comunista de Karl Marx e Friedrich Engels, O papel do Trabalho na transformação do Macaco em Homem de Engels, bem como Sobre as Greves de Vladimir Illich Ulianov Lenin com meus alunos de Ensino Médio e Curso Normal, não entendi nada de Rubem Alves. Para mim era o obscurantismo anti-racional e anti-científico, elevando a condição de alienamento da classe dos professores.
Mas penso também que minha condição de pessoa em grave crise existencial, com um relacionamento aos pedaços desde o início, dois filhos pequenos, em meio à turbulência de três empregos e dois cursos, bem como a casa para cuidar e ainda os desejos e frustrações próprios da vida e das minhas contradições enquanto pessoa, me impediram de acessar qualquer coisa do vocabulário e das ideias de Rubem Alves. Imagine para uma militante não revolucionária, mas ao menos reformista, ouvir falar que os "professores deveriam amar", que "os currículos não eram importantes" e por aí vai... Eu nem ao menos entendia algo sério de Friedrich Wilhelm Nietzsche para contextualizar a crítica de Alves e suas proposições.
Levei anos de muitas leituras fundamentais na Filosofia para ir construindo grandes horizontes teóricos, para poder compreender palavras, conceitos e ideias dentro de determinados contextos, bem como muitas "trombadas" na vida para perceber limitações minhas e das várias ideologias enquanto corpos organizados de ideias.
Durante meu mestrado em Filosofia da Educação, passei a me independer mais da Professora Dra. responsável pelas cadeiras que eu lecionava na universidade, bem como de meus próprios dogmas, além de passado e superado tantas tempestades emocionais. Caí do cavalo tantos vezes e tive que me olhar no espelho na nudez da minha alma outras tantas e tantas, descendo ao fundo do poço e tendo que me segurar nas únicas coisas que valem a pena: o amor, a solidariedade, o sentimento. Além é claro de diminuir a arrogância e a prepotência de quem se achava muito e se dava conta então de que a máxima socrática ainda é a de maior validade, a gente só sabe mesmo é que não sabe nada...
Daí para o Rubem Alves foi um átimo.
Um emblema muito forte para mim é o filme Razão e Sensibilidade do Ang Lee, baseado na obra de Jane Austen, em que duas irmas representam os extremos do controle e da exuberância, da emoção e da razão, da contenção e do desregramento, mas também de suas complementações. Penso que eu vivi, e ainda vivo, a contradição de ter também os dois lados muito arraigados em mim e em luta constante, numa tentativa tresloucada de contenção da sensibilidade para poder dirigir minha vida segundo a razão.
Daí que minhas frases com os alunos eram "quem gosta de criança faz criança, para ser professor é necessário gostar de acompanhar o ato de aprender", "eu não tenho que gostar de ninguém, tenho é que ensinar", "sensibilidade é coisa para dentro de casa, o negócio aqui é racionalizar e estudar com disciplina", "não tenho nada a ver com seus problemas, deixe-os fora da sala de aula", "prazer não tem nada a ver com estudar e aprender, é sentar o traseiro na cadeira e se concentrar"... ou seja, minhas aulas eram quase um campo de concentração! Anos depois eu criticaria colegas de profissão que faziam o mesmo que eu em minha primeira metade de vida como professora.
Mas como toda falácia tem perna curta e toda máscara um dia cai, eu também me afoguei em mim mesma e tive que ser macerada como um alho no pilão para exalar o forte perfume aprisionado nas entranhas do meu coração.
Hoje eu sei que para entender o Rubem Alves ou qualquer outro autor a gente tem que estar predisposta pela nossa própria maturação e dentro de um horizonte de perguntas e de insatisfações fundamentais.
Aquela antiga professora não poderia gostar de Rubem Alves, ela era exatamente a que ele criticava e para quem ele indicava um caminho inconcebível, dado ser eu uma pessoa mal resolvida.
Se algum ex-aluno meu dos últimos anos ler esse texto dirá que eu ainda guardava alguns traços da megera, mas que mudei um bocado.
Minhas loas ao Rubem Alves que tem a coragem de incitar em nós o desejo não apenas de sermos melhores professores, mas também pessoas fantásticas que não abandonam a razão mas alimentam, desenvolvem e se guiam pela sensibilidade.
Recordo-me da primeira vez que tive conhecimento de seus escritos com a guerreira Professora Carmen Lydia Dias Carvalho Lima. Entre vários livros indicados eu li Estórias de quem gosta de ensinar. Gostei das histórias, mas não tinha maturidade intelectual e nem vivencial para entender a fundo seu contexto filosófico. Fiquei na superficialidade da moral das histórias, afinal no primeiro ano de Pedagogia aos 18 anos, não é que havia vivido ou estudado tanto...
Ao longo do curso e durante o início de carreira, fui me enfronhando em outros territórios contraditórios, ora no Escolanovismo enquanto exemplo de prática didática, ora na dialética marxista enquanto fundamentação para análise do fenômeno educativo num espectro de interdependência sócio-político-econômico-cultural, bem como de enfrentamento da ideologia dominante e formação da consciência política, especialmente segundo Paulo Freire (no qual eu ainda não havia me dado conta do arcabouço fenomenológico de seu discurso).
Anos depois, num curso de especialização em Educação Brasileira, deitei e rolei em leituras de Antonio Gramsci e Dermeval Saviani, acabando por valorizar por demais a formação intelectual como maneira de autonomizar o indivíduo da ideologia dominante imposta pelas classes homogeneizadoras da cultura. Dar ao indivíduo do povo os instrumentos culturais usufruídos pelas classes político-econômicas dominantes era libertá-lo das limitações ao trabalho escravizador e reprodutor das condições reais de existência. Então, nesse mesmo curso assisti uma aula inaugural de uma disciplina na qual o professor falava de Rubem Alves, exaltando sua teoria, sendo explanada sem indicação de leituras nem maiores aprofundamentos em termos de tempo e espaço. Foi ali e ali mesmo. Eu na minha militância extrema, num momento de envolvimento em greves, cursando Filosofia paralelamente, envolvida na Educação Pública bem como na particular, discutindo o Manifesto do Partido Comunista de Karl Marx e Friedrich Engels, O papel do Trabalho na transformação do Macaco em Homem de Engels, bem como Sobre as Greves de Vladimir Illich Ulianov Lenin com meus alunos de Ensino Médio e Curso Normal, não entendi nada de Rubem Alves. Para mim era o obscurantismo anti-racional e anti-científico, elevando a condição de alienamento da classe dos professores.
Mas penso também que minha condição de pessoa em grave crise existencial, com um relacionamento aos pedaços desde o início, dois filhos pequenos, em meio à turbulência de três empregos e dois cursos, bem como a casa para cuidar e ainda os desejos e frustrações próprios da vida e das minhas contradições enquanto pessoa, me impediram de acessar qualquer coisa do vocabulário e das ideias de Rubem Alves. Imagine para uma militante não revolucionária, mas ao menos reformista, ouvir falar que os "professores deveriam amar", que "os currículos não eram importantes" e por aí vai... Eu nem ao menos entendia algo sério de Friedrich Wilhelm Nietzsche para contextualizar a crítica de Alves e suas proposições.
Levei anos de muitas leituras fundamentais na Filosofia para ir construindo grandes horizontes teóricos, para poder compreender palavras, conceitos e ideias dentro de determinados contextos, bem como muitas "trombadas" na vida para perceber limitações minhas e das várias ideologias enquanto corpos organizados de ideias.
Durante meu mestrado em Filosofia da Educação, passei a me independer mais da Professora Dra. responsável pelas cadeiras que eu lecionava na universidade, bem como de meus próprios dogmas, além de passado e superado tantas tempestades emocionais. Caí do cavalo tantos vezes e tive que me olhar no espelho na nudez da minha alma outras tantas e tantas, descendo ao fundo do poço e tendo que me segurar nas únicas coisas que valem a pena: o amor, a solidariedade, o sentimento. Além é claro de diminuir a arrogância e a prepotência de quem se achava muito e se dava conta então de que a máxima socrática ainda é a de maior validade, a gente só sabe mesmo é que não sabe nada...
Daí para o Rubem Alves foi um átimo.
Um emblema muito forte para mim é o filme Razão e Sensibilidade do Ang Lee, baseado na obra de Jane Austen, em que duas irmas representam os extremos do controle e da exuberância, da emoção e da razão, da contenção e do desregramento, mas também de suas complementações. Penso que eu vivi, e ainda vivo, a contradição de ter também os dois lados muito arraigados em mim e em luta constante, numa tentativa tresloucada de contenção da sensibilidade para poder dirigir minha vida segundo a razão.
Daí que minhas frases com os alunos eram "quem gosta de criança faz criança, para ser professor é necessário gostar de acompanhar o ato de aprender", "eu não tenho que gostar de ninguém, tenho é que ensinar", "sensibilidade é coisa para dentro de casa, o negócio aqui é racionalizar e estudar com disciplina", "não tenho nada a ver com seus problemas, deixe-os fora da sala de aula", "prazer não tem nada a ver com estudar e aprender, é sentar o traseiro na cadeira e se concentrar"... ou seja, minhas aulas eram quase um campo de concentração! Anos depois eu criticaria colegas de profissão que faziam o mesmo que eu em minha primeira metade de vida como professora.
Mas como toda falácia tem perna curta e toda máscara um dia cai, eu também me afoguei em mim mesma e tive que ser macerada como um alho no pilão para exalar o forte perfume aprisionado nas entranhas do meu coração.
Hoje eu sei que para entender o Rubem Alves ou qualquer outro autor a gente tem que estar predisposta pela nossa própria maturação e dentro de um horizonte de perguntas e de insatisfações fundamentais.
Aquela antiga professora não poderia gostar de Rubem Alves, ela era exatamente a que ele criticava e para quem ele indicava um caminho inconcebível, dado ser eu uma pessoa mal resolvida.
Se algum ex-aluno meu dos últimos anos ler esse texto dirá que eu ainda guardava alguns traços da megera, mas que mudei um bocado.
Minhas loas ao Rubem Alves que tem a coragem de incitar em nós o desejo não apenas de sermos melhores professores, mas também pessoas fantásticas que não abandonam a razão mas alimentam, desenvolvem e se guiam pela sensibilidade.
lunedì 23 luglio 2012
Jesus antimefafisicamente poético
Fernando Pessoa por meio de seu heterônimo Alberto Caeiro, cria entre outras coisas, no Guardador de Rebanhos, um Jesus antimetafísico poeticamente belo e humano. Na voz da divina Maria Bethania...
domenica 22 luglio 2012
A favor de quem, contra quem
Uma frase de Gandhi, "eu não sou contra o império britânico, eu sou a favor da soberania da Índia", foi citada por Adyashanti quando ele comentava acerca de confiar na vida e na existência, confiar mais no que se acredita, focar no que se defende, não lutar contra algo mas a favor de algo.
E daí eu comecei a pensar que grande parte da minha vida eu levantei bandeiras contra isso e contra aquilo, seja em termos políticos, sócio-econômicos, culturais e educacionais. E com certeza, ainda tenho traços horrorosos em meu caráter de estar sempre apontando aquilo que não gosto, às vezes até martelando em ferro e em fogo.
Minha formação acadêmica inicial foi numa linha eclética, mas eu me identifiquei mais com teorias fundadas na dialética marxista. Por exemplo, em termos de educação, dentro de um horizonte dialético mas com peculiaridades ideológicas próprias a cada autor, eu construí minha cosmovisão com leituras de Paulo Freire, Moacir Gadotti, Dermeval Saviani, Antonio Gramsci, Louis Althusser, Pierre Bordieu, Florestan Fernandes, Jefferson Ildefonso da Silva, Marilena Chaui e Jean Paul Sartre (linhas, fundamentos e estratégias diferentes mas todos num mesmo horizonte dialético). Todos me auxiliaram a observar a realidade a partir do conceito de unidade dialética, em que uma unidade é construída a partir de dois antagonistas que são gerados um pelo outro, assim as unidades escravizador-escravo, capitalismo-socialismo, pai-filho. Só na interdependência eu conseguia interpretar os fenômenos que observava; sempre procurando compreender a realidade numa complexidade profunda de dialeticidade a partir da estrutura social capitalista formada pela burguesia e pelo proletariado, pelos meios de produção e a força de trabalho. E de tudo me marcou muito uma fala de Paulo Freire, "a gente tem que saber contra quem a gente luta e a favor de quem a gente luta". O processo de consciência política ensejado por Freire foi para mim vivenciado a partir disso, o que eu renegava, o que eu defendia. E assim dirigi minha combatividade sempre expressa publicamente, em aulas, em palestras, em movimentos grevistas. Procurava sempre ter uma grande coerência entre em quem eu votava, quem eu lia, quem subsidiava meu arcabouço teorico, como estabelecia contato com o mundo e com as pessoas. Evidentemente que minha assertividade gerava conflitos enormes, e ou eu era amada ou era odiada, tendo em vista os fronts ideologicos. Lembro-me claramente em uma eleiçao em Santos em que os candidatos Telma de Souza e Joao Paulo Tavares Papa estavam em embate e a escola particular onde eu lecionava estava divididissima, pro e contra um e outro. Na manha seguinte às eleiçoes, ao adentrar a escola, apos a derrota da minha candidata, havia um clima de vitoria para alguns e tristeza para outros, eu incluida. Ao ser abordada por uma defensora do candidato vencedor com um "Bom dia!", eu respondi azeda "Nao vejo nada de bom hoje!". Eu sabia exatamente contra quais projetos sociais, politicos, economicos, culturais e educacionais eu lutava e quais eu defendia, e com isso eu restringia meu olhar sendo mal educada com outro ser humano, o qual eu nao via, apenas enxergava uma inimiga politica. Via as pessoas na "pretensa" claridade de suas posiçoes. Esquecia também o que Freire dizia: "todo oprimido carrega um opressor dentro de si". Eu me postava ao lado dos que eu pensava como oprimidos, pobres, desvalidos, politizados conscientemente, esclarecidos e justos. Eera o auge da minha visao turva que nao observava a complexidade das subjetividades que nao poderiam ser meramente classificadas ideologicamente. Claro que nao invalido minha concepçao dialética inicial, mas hoje nao observo as pessoas apenas na dimensao da unidade dialética infraestrutura-superestrutura.
Quando tive a oportunidade de ser Coordenadora na mesma escola junto a tres maravilhosos colegas de trabalho, hoje meu amigos, fui renegada por pessoas que militavam comigo na linha dialética ha anos; era como se eu tivesse renegado minhas crenças anteriores e tivesse mudado de lado. Transpunha-se para a escola os embates ideologicos do dia-a-dia. Meu maior exercicio naquela funçao foi nao permitir que o opressor em mim se manifestasse, que eu pudesse destruir a unidade dialética opressor-oprimido, e passar a viver de maneira mais humanizada com tudo e com todos, evitando apenas tentar impor minhas ideias e passando a considerar também outros pontos de vista. O resultado foi que eu me abri mais para o permear de ideias aparentemente inconciliaveis em teorias que se liam como puras ideologicamente. Meus estudos ulteriores permitiram encontrar, por exemplo, John Dewey em Paulo Freire (um liberal e um dialético marxista); assim como entre colegas de trabalho encontrei pessoas ditas "tradicionais" que faziam belissimos trabalhos pedagogicos, e professores modernos com atitudes jurassicas. Eu passei a ver coisas que para mim, antes, eram impossiveis. Me humanizei na Coordenaçao. Foram so quatro anos mas o suficiente para eu saber que eu era mais pretensiosa intelectualmente do que competente na vivencia humana.
Os ultimos nove anos de minha carreira foram radicalmente diferentes dos primeiros 17. Se antes a minha preocupaçao era sempre a critica e a consequente proposta da imposiçao de um ideal radical, agora eu pensava em ter a critica apenas como a base da minha analise inicial, mas o foco era na construçao de uma alternativa às açoes anteriores sem renega-las totalmente mas as alimentando com novas perspectivas.
Ser mais proativa, dar mais e melhor de mim, olhar o outro em sua humanidade, confiar mais nos processos individuais que se imiscuem no emaranhando socio-economico-cultural. Saber mais acerca da variedade de caminhos e por isso mesmo nao impor nada a ninguém; evidentemente que nao sendo alguém sem perspectivas futuras ou sem bases fundamentais. Eu ainda sei que mundo eu desejo e pelo qual luto diariamente para construir dentro e fora de mim, mas ja sem a grande ideia de destruir o mundo que nao aceito.
E daí eu comecei a pensar que grande parte da minha vida eu levantei bandeiras contra isso e contra aquilo, seja em termos políticos, sócio-econômicos, culturais e educacionais. E com certeza, ainda tenho traços horrorosos em meu caráter de estar sempre apontando aquilo que não gosto, às vezes até martelando em ferro e em fogo.
Minha formação acadêmica inicial foi numa linha eclética, mas eu me identifiquei mais com teorias fundadas na dialética marxista. Por exemplo, em termos de educação, dentro de um horizonte dialético mas com peculiaridades ideológicas próprias a cada autor, eu construí minha cosmovisão com leituras de Paulo Freire, Moacir Gadotti, Dermeval Saviani, Antonio Gramsci, Louis Althusser, Pierre Bordieu, Florestan Fernandes, Jefferson Ildefonso da Silva, Marilena Chaui e Jean Paul Sartre (linhas, fundamentos e estratégias diferentes mas todos num mesmo horizonte dialético). Todos me auxiliaram a observar a realidade a partir do conceito de unidade dialética, em que uma unidade é construída a partir de dois antagonistas que são gerados um pelo outro, assim as unidades escravizador-escravo, capitalismo-socialismo, pai-filho. Só na interdependência eu conseguia interpretar os fenômenos que observava; sempre procurando compreender a realidade numa complexidade profunda de dialeticidade a partir da estrutura social capitalista formada pela burguesia e pelo proletariado, pelos meios de produção e a força de trabalho. E de tudo me marcou muito uma fala de Paulo Freire, "a gente tem que saber contra quem a gente luta e a favor de quem a gente luta". O processo de consciência política ensejado por Freire foi para mim vivenciado a partir disso, o que eu renegava, o que eu defendia. E assim dirigi minha combatividade sempre expressa publicamente, em aulas, em palestras, em movimentos grevistas. Procurava sempre ter uma grande coerência entre em quem eu votava, quem eu lia, quem subsidiava meu arcabouço teorico, como estabelecia contato com o mundo e com as pessoas. Evidentemente que minha assertividade gerava conflitos enormes, e ou eu era amada ou era odiada, tendo em vista os fronts ideologicos. Lembro-me claramente em uma eleiçao em Santos em que os candidatos Telma de Souza e Joao Paulo Tavares Papa estavam em embate e a escola particular onde eu lecionava estava divididissima, pro e contra um e outro. Na manha seguinte às eleiçoes, ao adentrar a escola, apos a derrota da minha candidata, havia um clima de vitoria para alguns e tristeza para outros, eu incluida. Ao ser abordada por uma defensora do candidato vencedor com um "Bom dia!", eu respondi azeda "Nao vejo nada de bom hoje!". Eu sabia exatamente contra quais projetos sociais, politicos, economicos, culturais e educacionais eu lutava e quais eu defendia, e com isso eu restringia meu olhar sendo mal educada com outro ser humano, o qual eu nao via, apenas enxergava uma inimiga politica. Via as pessoas na "pretensa" claridade de suas posiçoes. Esquecia também o que Freire dizia: "todo oprimido carrega um opressor dentro de si". Eu me postava ao lado dos que eu pensava como oprimidos, pobres, desvalidos, politizados conscientemente, esclarecidos e justos. Eera o auge da minha visao turva que nao observava a complexidade das subjetividades que nao poderiam ser meramente classificadas ideologicamente. Claro que nao invalido minha concepçao dialética inicial, mas hoje nao observo as pessoas apenas na dimensao da unidade dialética infraestrutura-superestrutura.
Quando tive a oportunidade de ser Coordenadora na mesma escola junto a tres maravilhosos colegas de trabalho, hoje meu amigos, fui renegada por pessoas que militavam comigo na linha dialética ha anos; era como se eu tivesse renegado minhas crenças anteriores e tivesse mudado de lado. Transpunha-se para a escola os embates ideologicos do dia-a-dia. Meu maior exercicio naquela funçao foi nao permitir que o opressor em mim se manifestasse, que eu pudesse destruir a unidade dialética opressor-oprimido, e passar a viver de maneira mais humanizada com tudo e com todos, evitando apenas tentar impor minhas ideias e passando a considerar também outros pontos de vista. O resultado foi que eu me abri mais para o permear de ideias aparentemente inconciliaveis em teorias que se liam como puras ideologicamente. Meus estudos ulteriores permitiram encontrar, por exemplo, John Dewey em Paulo Freire (um liberal e um dialético marxista); assim como entre colegas de trabalho encontrei pessoas ditas "tradicionais" que faziam belissimos trabalhos pedagogicos, e professores modernos com atitudes jurassicas. Eu passei a ver coisas que para mim, antes, eram impossiveis. Me humanizei na Coordenaçao. Foram so quatro anos mas o suficiente para eu saber que eu era mais pretensiosa intelectualmente do que competente na vivencia humana.
Os ultimos nove anos de minha carreira foram radicalmente diferentes dos primeiros 17. Se antes a minha preocupaçao era sempre a critica e a consequente proposta da imposiçao de um ideal radical, agora eu pensava em ter a critica apenas como a base da minha analise inicial, mas o foco era na construçao de uma alternativa às açoes anteriores sem renega-las totalmente mas as alimentando com novas perspectivas.
Ser mais proativa, dar mais e melhor de mim, olhar o outro em sua humanidade, confiar mais nos processos individuais que se imiscuem no emaranhando socio-economico-cultural. Saber mais acerca da variedade de caminhos e por isso mesmo nao impor nada a ninguém; evidentemente que nao sendo alguém sem perspectivas futuras ou sem bases fundamentais. Eu ainda sei que mundo eu desejo e pelo qual luto diariamente para construir dentro e fora de mim, mas ja sem a grande ideia de destruir o mundo que nao aceito.
giovedì 19 luglio 2012
21.12.2012 - uma nova era se anuncia?
Sao inumeras as informaçoes acerca da data 21.12.2012. Para muito fatalistas e mensageiros da desgraça, tal data, fundada em famoso Calendario Maia, marcaria o fim do mundo, o que, alias, em tantissimos outros momentos planetarios ja foi anunciado. O que alguns estudiosos sérios afirmam é que os Maias utilizavam o calendario dos Toltecas e que seu conteudo indica uma nova era que se anuncia.
Numa entrevista com a Dra. Marlene Rossi Severino Nobre a ser conferida no endereço https://www.youtube.com/watch?v=_YPkw7_uWKc&feature=results_main&playnext=1&list=PL9003DDE78D0F16F9, encontrei revelaçoes de Chico Xavier que se coadunam perfeitamente com tantos falares de esotéricos e exotéricos, bem como da arqueoufologia e dos textos sagrados de origens oriental e ocidental, desde que se queira assim interpretar. Apesar da entrevista ter gerado muita polemica, eu confio plenamente na lucidez da Dra. Marlene Nobre e penso que ela sintetiza maravilhosamente em poucas palavras uma leitura providencial acerca da data que nos traz mais responsabilidade pessoal e coletiva, bem como tranquiliza muitos coraçoes.
Para alguns a divulgaçao do calendario maia é mais uma sacada para vendas de livros e manter assustadas as pessoas que se sentem inseguras; enquanto para outros é um momento alvissareiro.
Penso que de tudo que se fala e que se discute, o mais importante é o que tudo isso gera dentro de nos em termos de pensamento, compreensao, de colaboraçao para nosso aprimoramento enquanto pessoas, para a revisitaçao dos valores que elegemos como fundamentais em nossas vidas.
Para mim nao importa tanto se acaba ou se transforma algo no planeta Terra em 2012, em 2019 ou até 2050. Primeiro porque nao creio na morte, apenas no abandono dos corpos mais materializados, entao isso ha de ocorrer em qualquer momento e nao apenas numa suposta data marcada. Segundo porque qualquer coisa que aconteça so acontecera para quem estiver lucido o suficiente para interpretar; e ainda assim ocorrerao inumeras interpretaçoes, afinal somos nos, cada um de nos, que criamos a realidade segundo nossa concepçao consciente ou nao. Terceiro porque com o fim ou apenas com uma transformaçao nada se dara para mim se eu nao estiver compativel com o que ocorrer.
Caso acabasse algo ou houvesse uma destruiçao imensa, a tarefa de quem sobrevivesse seria trabalhar pela reconstruçao, seria colaborar com atitudes e pensamentos positivos para a realizaçao da solidariedade, da compreensao e da vivencia do amor enquanto estado consciencial. Sobreviver a um cataclisma é uma prova de trabalho numa entrega total que, no momento atual, a maioria de nos sequer experimentou algum dia e que podemos ver exemplificado na atutide denodada dos japoneses.
De qualquer maneira, como pensa Marlene Nobre, o que se dara, sera consequencia das atitudes dos povos da Terra; se agirmos de forma destemperada entre nos em escala pessoal e em escala socio-politica, ou ainda com relaçao aos recursos e usos desatinados da fauna, da flora e das reservas geologicas, é evidente que se anunciara um colapso que gerara um grande sofrimento. Nao ha determinismos galacticos para a Terra, tudo depende de nossas atitudes, afinal nao vivemos apenas num orbe fisico mas também em sua atmosfera psiquica; e ja que todos fazemos parte de uma grande unidade, mudando a nos mesmos e ao nosso entorno estaremos auxiliando a mudar tudo e todos. Penso na teoria do campo morfogenético de Rupert Sheldrake, em que um individuo ao praticar um determinado ato acaba por influenciar os demais de sua espécie e que, ao repetirem inumeras vezes o mesmo ato, acabam por determinar mudanças em outros individuos da mesma espécie, ainda que distantes fisicamente do local da açao inicial. Com tal teoria eu poderia hipotetizar que ao procurarmos renovar nossas formas de viver, de pensar, de sentir e amar, poderiamos colaborar com mudanças significativas para a espécie humana em que seus individuos-massa tem vivido como replicantes inconscientes de uma megamatrix. Assim, no anonimato, no silencio de nossas casas, na intimidade de nosso ser, ao elegermos transformaçoes em nos mesmos, poderiamos promover mudanças em nossos irmaos humanos a partir da nossa decisao em nao repetirmos os modelos baseados no egoismo, no individualismo, na prepotencia, na ansia por ter sempre e cada vez mais, no desejo de consumir tudo e todos até o exaurimento de nossas forças.
Muito ja se pesquisa em termos de como oraçoes e pensamentos positivos influenciam a superaçao de estados fisicos e mentais doentios em nos mesmos e nas pessoas às quais nos dedicamos. Penso que dai se podem tirar sustentaculos para justificar incursoes por sendas que ainda que pareçam pequenas e de pouco alcance, possam colaborar para evitar o colapso humano no planeta.
Um parente meu, Mario, ja dessomado, sempre me dizia que todos os dias, às seis horas da tarde ele orava pelo planeta Terra e todos os seus habitantes, e, influenciada por ele, eu incluo em minhas oraçoes algo similar, que nao se restrinja a uma oraçao apenas de pedinte, mas de alguem que doa visoes maravilhosas de paz e amor, saude e prosperidade para todos os homens, seres e reinos da natureza, da terra e dos universos.
Se cabe algo acerca de 21.12.2012, é a necessidade de realizarmos em nos a nova era, de nos prepararmos para a paz e para a guerra, para o amor e para o odio com a construçao de santuarios internos, em nosso imo, para sermos uteis ao mundo, com oraçoes e novas atitudes, seja la como ele for.
Numa entrevista com a Dra. Marlene Rossi Severino Nobre a ser conferida no endereço https://www.youtube.com/watch?v=_YPkw7_uWKc&feature=results_main&playnext=1&list=PL9003DDE78D0F16F9, encontrei revelaçoes de Chico Xavier que se coadunam perfeitamente com tantos falares de esotéricos e exotéricos, bem como da arqueoufologia e dos textos sagrados de origens oriental e ocidental, desde que se queira assim interpretar. Apesar da entrevista ter gerado muita polemica, eu confio plenamente na lucidez da Dra. Marlene Nobre e penso que ela sintetiza maravilhosamente em poucas palavras uma leitura providencial acerca da data que nos traz mais responsabilidade pessoal e coletiva, bem como tranquiliza muitos coraçoes.
Para alguns a divulgaçao do calendario maia é mais uma sacada para vendas de livros e manter assustadas as pessoas que se sentem inseguras; enquanto para outros é um momento alvissareiro.
Penso que de tudo que se fala e que se discute, o mais importante é o que tudo isso gera dentro de nos em termos de pensamento, compreensao, de colaboraçao para nosso aprimoramento enquanto pessoas, para a revisitaçao dos valores que elegemos como fundamentais em nossas vidas.
Para mim nao importa tanto se acaba ou se transforma algo no planeta Terra em 2012, em 2019 ou até 2050. Primeiro porque nao creio na morte, apenas no abandono dos corpos mais materializados, entao isso ha de ocorrer em qualquer momento e nao apenas numa suposta data marcada. Segundo porque qualquer coisa que aconteça so acontecera para quem estiver lucido o suficiente para interpretar; e ainda assim ocorrerao inumeras interpretaçoes, afinal somos nos, cada um de nos, que criamos a realidade segundo nossa concepçao consciente ou nao. Terceiro porque com o fim ou apenas com uma transformaçao nada se dara para mim se eu nao estiver compativel com o que ocorrer.
Caso acabasse algo ou houvesse uma destruiçao imensa, a tarefa de quem sobrevivesse seria trabalhar pela reconstruçao, seria colaborar com atitudes e pensamentos positivos para a realizaçao da solidariedade, da compreensao e da vivencia do amor enquanto estado consciencial. Sobreviver a um cataclisma é uma prova de trabalho numa entrega total que, no momento atual, a maioria de nos sequer experimentou algum dia e que podemos ver exemplificado na atutide denodada dos japoneses.
De qualquer maneira, como pensa Marlene Nobre, o que se dara, sera consequencia das atitudes dos povos da Terra; se agirmos de forma destemperada entre nos em escala pessoal e em escala socio-politica, ou ainda com relaçao aos recursos e usos desatinados da fauna, da flora e das reservas geologicas, é evidente que se anunciara um colapso que gerara um grande sofrimento. Nao ha determinismos galacticos para a Terra, tudo depende de nossas atitudes, afinal nao vivemos apenas num orbe fisico mas também em sua atmosfera psiquica; e ja que todos fazemos parte de uma grande unidade, mudando a nos mesmos e ao nosso entorno estaremos auxiliando a mudar tudo e todos. Penso na teoria do campo morfogenético de Rupert Sheldrake, em que um individuo ao praticar um determinado ato acaba por influenciar os demais de sua espécie e que, ao repetirem inumeras vezes o mesmo ato, acabam por determinar mudanças em outros individuos da mesma espécie, ainda que distantes fisicamente do local da açao inicial. Com tal teoria eu poderia hipotetizar que ao procurarmos renovar nossas formas de viver, de pensar, de sentir e amar, poderiamos colaborar com mudanças significativas para a espécie humana em que seus individuos-massa tem vivido como replicantes inconscientes de uma megamatrix. Assim, no anonimato, no silencio de nossas casas, na intimidade de nosso ser, ao elegermos transformaçoes em nos mesmos, poderiamos promover mudanças em nossos irmaos humanos a partir da nossa decisao em nao repetirmos os modelos baseados no egoismo, no individualismo, na prepotencia, na ansia por ter sempre e cada vez mais, no desejo de consumir tudo e todos até o exaurimento de nossas forças.
Muito ja se pesquisa em termos de como oraçoes e pensamentos positivos influenciam a superaçao de estados fisicos e mentais doentios em nos mesmos e nas pessoas às quais nos dedicamos. Penso que dai se podem tirar sustentaculos para justificar incursoes por sendas que ainda que pareçam pequenas e de pouco alcance, possam colaborar para evitar o colapso humano no planeta.
Um parente meu, Mario, ja dessomado, sempre me dizia que todos os dias, às seis horas da tarde ele orava pelo planeta Terra e todos os seus habitantes, e, influenciada por ele, eu incluo em minhas oraçoes algo similar, que nao se restrinja a uma oraçao apenas de pedinte, mas de alguem que doa visoes maravilhosas de paz e amor, saude e prosperidade para todos os homens, seres e reinos da natureza, da terra e dos universos.
Se cabe algo acerca de 21.12.2012, é a necessidade de realizarmos em nos a nova era, de nos prepararmos para a paz e para a guerra, para o amor e para o odio com a construçao de santuarios internos, em nosso imo, para sermos uteis ao mundo, com oraçoes e novas atitudes, seja la como ele for.
mercoledì 18 luglio 2012
Il Vittoriale
Na semana passada estive fazendo uma segunda visita ao Vittoriale, a casa-obra-vida-poesia de Gabrielle d'Annunzio, o soldato poeta italiano; belissimo local a ser conferido no sitio www.vittoriale.it pelos interessados.
Durante o passeio, fui inspirada a refletir sobre tudo aquilo que ouvia e observava a partir das explicaçoes da guia. Fui assomada por grande emoçao que ainda me comove agora. A casa foi adquirida por Gabrielle e constituida como Cittadella monumentale entre 1921 e 1938. La Prioria ou La Fabbrica, compreendendo a casa, é um poema e uma declaraçao de propositos quanto à vida e sua propria obra pessoal. Os jardins completam sua assinatura, e, dai para frente, ainda museu e anfiteatro criados apos sua morte, mas com sua projeçao ainda em vida.
Grande poeta, amante, politico e soldado, Gabrielle marcou sua vida por cultivar grandes paixoes e construir a expressao de sua obra por simbolos fortes que remontam à Antiguidade Greco-romana, à figura de Michelangelo Buonarroti e à Friedrich Nietzsche e sua proposiçao do superhomem, o além do homem, o qual transcende o animal e o homem por meio da vontade de potencia.
Rituais de homenagens e juramentos sao recordados nos jardins como meio de sinalizar que as ideias necessitam ser mantidas à vista e veneradas. Estar sempre em conexao e expressao de seu proprio fervoroso credo humano. Ele escreve que "A saudade é o alimento vão de um espírito desocupado. É preciso, acima de tudo, evitar a saudade ocupando sempre o espírito com novas sensações e novas imaginações." E sua obra-casa-moumento é a representaçao dessa ideia. Tudo, em cada pequeno detalhe é o dizer de seu pensar, de seu sentir; nao ha espaço em que nao haja um objeto, uma frase, um livro, uma cor, uma disposiçao de moveis e paredes; sempre com a clara intençao de provocar a reflexao do observador que o frequentava, bem como dos seus atuais hospedes fugazes, os visitantes do complexo monumental. Pensar nas suas e nas nossas condiçoes atuais, nas vias de acesso à uma vida plena de significados, nos entrecruzamentos sacro-profanos, nas possibilidades de conciliaçao religiosa oriente-ocidente.
Apesar de d'Annunzio ter um gosto pelo supérfluo, pela vida faustosa e requintada, pelo exagero de signos e simbolos, sua atitude firme em cumprir o plano de registrar seu pensamento e sua obra exteriormente me interessam. Penso sempre que devemos amealhar signos com seus significantes e seus significados para melhor dizermos de nos mesmos, sendo mais conscientes nessa expressao, ja que inconscientemente o fazemos sempre.
Como nos vestimos, o que comemos, a quem veneramos, o que lemos, o que bebemos, onde vamos, o que fazemos profissionalmente, a quem amamos, onde e como descansamos, como moramos, sao sinais para o mundo dizendo quem somos, qual nossa cosmovisao e nossos projetos de inserçao. Uma observaçao atenta permite identificar os indicios e nos auxiliam a conhecer e a escolher nossos pares na vida, assim como eles com referencia à nos.
Pode dizer-se que o exterior vez ou outra esconde o interior mas eu penso que, de qualquer maneira, o ser se manifesta no ente, que a expressao sensivel acaba por revelar as intençoes internas, as essencias que sustentam a realizaçao no mundo de quem se é, numa maneira heideggeriana de ver. Aquilo que se é sempre se manifesta, nem que seja por um ato falho freudiano.
Também pode pensar-se que ao ostentar signos a pessoa se esforça a expressar a realizaçao de um ideario que se esboça como desejo, que se reforça pela exterioridade para confirmar o proposito de mudança, de assunçao de um novo caminho.
Assim diz-se que os mitos precisam de ritos para serem lembrados, recordados, para se presentificarem para seus postulantes. Assim uma vida, ainda que em sua obscuridade, em sua condiçao anonima, se reveste de sinais a personificarem, para a pessoa mesma e para um possivel observador ou partilhante, seus mais caros compromissos de alma.
Ritualizar e assinalar foram marcas da representaçao da obra d'Annunziana e penso que também para nos, que nao somos homens de genio, seria importante fazer da vida uma arte expressiva de nosso sentir-pensar.
Durante o passeio, fui inspirada a refletir sobre tudo aquilo que ouvia e observava a partir das explicaçoes da guia. Fui assomada por grande emoçao que ainda me comove agora. A casa foi adquirida por Gabrielle e constituida como Cittadella monumentale entre 1921 e 1938. La Prioria ou La Fabbrica, compreendendo a casa, é um poema e uma declaraçao de propositos quanto à vida e sua propria obra pessoal. Os jardins completam sua assinatura, e, dai para frente, ainda museu e anfiteatro criados apos sua morte, mas com sua projeçao ainda em vida.
Grande poeta, amante, politico e soldado, Gabrielle marcou sua vida por cultivar grandes paixoes e construir a expressao de sua obra por simbolos fortes que remontam à Antiguidade Greco-romana, à figura de Michelangelo Buonarroti e à Friedrich Nietzsche e sua proposiçao do superhomem, o além do homem, o qual transcende o animal e o homem por meio da vontade de potencia.
Rituais de homenagens e juramentos sao recordados nos jardins como meio de sinalizar que as ideias necessitam ser mantidas à vista e veneradas. Estar sempre em conexao e expressao de seu proprio fervoroso credo humano. Ele escreve que "A saudade é o alimento vão de um espírito desocupado. É preciso, acima de tudo, evitar a saudade ocupando sempre o espírito com novas sensações e novas imaginações." E sua obra-casa-moumento é a representaçao dessa ideia. Tudo, em cada pequeno detalhe é o dizer de seu pensar, de seu sentir; nao ha espaço em que nao haja um objeto, uma frase, um livro, uma cor, uma disposiçao de moveis e paredes; sempre com a clara intençao de provocar a reflexao do observador que o frequentava, bem como dos seus atuais hospedes fugazes, os visitantes do complexo monumental. Pensar nas suas e nas nossas condiçoes atuais, nas vias de acesso à uma vida plena de significados, nos entrecruzamentos sacro-profanos, nas possibilidades de conciliaçao religiosa oriente-ocidente.
Apesar de d'Annunzio ter um gosto pelo supérfluo, pela vida faustosa e requintada, pelo exagero de signos e simbolos, sua atitude firme em cumprir o plano de registrar seu pensamento e sua obra exteriormente me interessam. Penso sempre que devemos amealhar signos com seus significantes e seus significados para melhor dizermos de nos mesmos, sendo mais conscientes nessa expressao, ja que inconscientemente o fazemos sempre.
Como nos vestimos, o que comemos, a quem veneramos, o que lemos, o que bebemos, onde vamos, o que fazemos profissionalmente, a quem amamos, onde e como descansamos, como moramos, sao sinais para o mundo dizendo quem somos, qual nossa cosmovisao e nossos projetos de inserçao. Uma observaçao atenta permite identificar os indicios e nos auxiliam a conhecer e a escolher nossos pares na vida, assim como eles com referencia à nos.
Pode dizer-se que o exterior vez ou outra esconde o interior mas eu penso que, de qualquer maneira, o ser se manifesta no ente, que a expressao sensivel acaba por revelar as intençoes internas, as essencias que sustentam a realizaçao no mundo de quem se é, numa maneira heideggeriana de ver. Aquilo que se é sempre se manifesta, nem que seja por um ato falho freudiano.
Também pode pensar-se que ao ostentar signos a pessoa se esforça a expressar a realizaçao de um ideario que se esboça como desejo, que se reforça pela exterioridade para confirmar o proposito de mudança, de assunçao de um novo caminho.
Assim diz-se que os mitos precisam de ritos para serem lembrados, recordados, para se presentificarem para seus postulantes. Assim uma vida, ainda que em sua obscuridade, em sua condiçao anonima, se reveste de sinais a personificarem, para a pessoa mesma e para um possivel observador ou partilhante, seus mais caros compromissos de alma.
Ritualizar e assinalar foram marcas da representaçao da obra d'Annunziana e penso que também para nos, que nao somos homens de genio, seria importante fazer da vida uma arte expressiva de nosso sentir-pensar.
martedì 17 luglio 2012
Agradecer sempre, à tudo e à todos
Tenho uma querida amiga, Celi Lopes de Moraes, a quem eu amo muito em virtude de suas maravilhosas qualidades, especialmente pela maneira como se relaciona com as pessoas, sempre numa atitude de extremo carinho. Ela é daquele tipo que empreende muitos esforços na busca do autoconhecimento e do aprimoramente de sua espiritualidade. Ela para mim é modelar, personificando um parametro de como se dirigir na vida.
Uma das coisas que sempre me vem à memoria sao as situaçoes em que, por meio de gestos declarados ou atitudes silenciosas, ela exemplificou o agradecimento, algo aprendido na filosofia Seicho-No-Ie, "lar do progredir infinito". Uma imagem muito presente em mim é a da Celi, durante uma caminhanda na cidade paulista de Marilia, acariciar uma linda flor, um hibiscus, e agradecer por sua existencia e sua beleza. Foi uma cena muito comovente, e nao havia ninguém por ali além de mim. Algo espontaneo e que foi uma demonstraçao de profunda comunhao com o universo.
Ontem eu estava em uma montanha na altitude de 1750 metros e senti profundamente o agradecer ao universo por ter à minha vista um horizonte imenso de cadeias de montanhas e a exuberancia de um céu absurdamente azul pleno de nuvens brancas maciças. Falcoes que voavam, asas deltas que se arrojavam dos picos, um vento frio em meio aos raios solares causticantes. O silencio do humano existir em meio aos sons da natureza que existe independente de nos, e ao que parece, esta muito bem assim. Agradecer por estar ali, por tudo aquilo existir, por participar daquele momento.
Cultivar o habito mental da gratidao à todas as coisas do universo, mesmo que nao expressa em palavras, cria um novo padrao de relacionamento com tudo e com todos, gerando sentimentos, ajuizamentos e atitudes de empatia, de generosidade e de solidariedade.
Celi sempre faz o agradecimento aos ancestrais que lhe deram a oportunidade da vida biologica, da inserçao cultural, da base inicial para a manutençao financeira e do apoio emocional generoso e gratuito. Mas também agradece aos que passaram por sua vida e lhe deixaram marcas de tristeza e de decepçao entendendo que todos contribuiram para seu desenvolvimento.
As situaçoes para a pratica do agradecimento sao inumeras e constantes. Muito facil ser grato pela presença de pessoas agradaveis e simpaticas. Agradecer sinceramente os eventos positivos também é algo quase automatico. Mas, em se tratando, por exemplo, de parentes, amigos ou colegas de trabalho que incomodam com sua agressividade verbal ou atitudinal, sua ingratidao ou seu desrespeito, ai o "bicho pega"! Pessoas e situaçoes negativas sao nossos melhores orientadores e educadores; servem como estimulo para observarmos nossas piores atitudes, pensamentos e sentimentos, todos projetados e que, se nos incomodam, é porque ainda sao presentes em nos mesmos e espelhados no outro.
Eu ainda vivo na dificuldade de agradecer sempre, à tudo e à todos; tenho que ficar na vigilancia constante das minhas emissoes de energia. Na medida em que vou pensando sobre certas coisas e determinadas pessoas, sinto uma inicial supremacia das emoçoes primitivas que atingem meu ego, ferindo o orgulho e a vaidade, atingindo a autoestima. Depois, ao perceber conscientemente o que sucede, passo a tentar ao menos praticar o Ho'Oponopono e compreender com clareza os moveis que dirigem as açoes do outro ou o contexto que compoe o fato que me atinge. Pouco a pouco vou percebendo que os periodos de ira e indignaçao sao sempre menores e que de algum modo ha uma modificaçao na minha maneira de observar os desafetos, transcendendo o mero julgamento para uma tentativa de compreensao.
Estou longe da atitude ideal, mas penso que aumento gradativamente meu agradecimento por tudo que se manifesta em minha vida, com certeza para burilar meu temperamento selvagem e conduzir-me para uma transcendencia.
Ter amigos e pessoas representativas como emulos no sentido do estimulo é algo fundamental para nos instigar o desejo de superarmos nossos padroes viciosos de pensar e agir.
Eu agradeço profundamente à todos os meus mestres visiveis e invisiveis, sejam orientadores e educadores, sejam parentes e amigos, aos avatares todos do Universo e aos contextos urbanos e naturais para os quais fui encaminhada.
Uma das coisas que sempre me vem à memoria sao as situaçoes em que, por meio de gestos declarados ou atitudes silenciosas, ela exemplificou o agradecimento, algo aprendido na filosofia Seicho-No-Ie, "lar do progredir infinito". Uma imagem muito presente em mim é a da Celi, durante uma caminhanda na cidade paulista de Marilia, acariciar uma linda flor, um hibiscus, e agradecer por sua existencia e sua beleza. Foi uma cena muito comovente, e nao havia ninguém por ali além de mim. Algo espontaneo e que foi uma demonstraçao de profunda comunhao com o universo.
Ontem eu estava em uma montanha na altitude de 1750 metros e senti profundamente o agradecer ao universo por ter à minha vista um horizonte imenso de cadeias de montanhas e a exuberancia de um céu absurdamente azul pleno de nuvens brancas maciças. Falcoes que voavam, asas deltas que se arrojavam dos picos, um vento frio em meio aos raios solares causticantes. O silencio do humano existir em meio aos sons da natureza que existe independente de nos, e ao que parece, esta muito bem assim. Agradecer por estar ali, por tudo aquilo existir, por participar daquele momento.
Cultivar o habito mental da gratidao à todas as coisas do universo, mesmo que nao expressa em palavras, cria um novo padrao de relacionamento com tudo e com todos, gerando sentimentos, ajuizamentos e atitudes de empatia, de generosidade e de solidariedade.
Celi sempre faz o agradecimento aos ancestrais que lhe deram a oportunidade da vida biologica, da inserçao cultural, da base inicial para a manutençao financeira e do apoio emocional generoso e gratuito. Mas também agradece aos que passaram por sua vida e lhe deixaram marcas de tristeza e de decepçao entendendo que todos contribuiram para seu desenvolvimento.
As situaçoes para a pratica do agradecimento sao inumeras e constantes. Muito facil ser grato pela presença de pessoas agradaveis e simpaticas. Agradecer sinceramente os eventos positivos também é algo quase automatico. Mas, em se tratando, por exemplo, de parentes, amigos ou colegas de trabalho que incomodam com sua agressividade verbal ou atitudinal, sua ingratidao ou seu desrespeito, ai o "bicho pega"! Pessoas e situaçoes negativas sao nossos melhores orientadores e educadores; servem como estimulo para observarmos nossas piores atitudes, pensamentos e sentimentos, todos projetados e que, se nos incomodam, é porque ainda sao presentes em nos mesmos e espelhados no outro.
Eu ainda vivo na dificuldade de agradecer sempre, à tudo e à todos; tenho que ficar na vigilancia constante das minhas emissoes de energia. Na medida em que vou pensando sobre certas coisas e determinadas pessoas, sinto uma inicial supremacia das emoçoes primitivas que atingem meu ego, ferindo o orgulho e a vaidade, atingindo a autoestima. Depois, ao perceber conscientemente o que sucede, passo a tentar ao menos praticar o Ho'Oponopono e compreender com clareza os moveis que dirigem as açoes do outro ou o contexto que compoe o fato que me atinge. Pouco a pouco vou percebendo que os periodos de ira e indignaçao sao sempre menores e que de algum modo ha uma modificaçao na minha maneira de observar os desafetos, transcendendo o mero julgamento para uma tentativa de compreensao.
Estou longe da atitude ideal, mas penso que aumento gradativamente meu agradecimento por tudo que se manifesta em minha vida, com certeza para burilar meu temperamento selvagem e conduzir-me para uma transcendencia.
Ter amigos e pessoas representativas como emulos no sentido do estimulo é algo fundamental para nos instigar o desejo de superarmos nossos padroes viciosos de pensar e agir.
Eu agradeço profundamente à todos os meus mestres visiveis e invisiveis, sejam orientadores e educadores, sejam parentes e amigos, aos avatares todos do Universo e aos contextos urbanos e naturais para os quais fui encaminhada.
martedì 10 luglio 2012
Ideias, idearios e ideais
Ideias, idearios e ideais sao palavras que se assemelham mas que sao portadores de diferentes significados. Ideias sao construtos mentais que, portadores de significados, traduzem o mundo criado por nos numa construçao interativa cérebro-mente-objetos abstratos e concretos, mediada sempre pela linguagem em situaçoes de associaçoes com pessoas, coisas e situaçoes. As idéias se constituem em conceitos abstratos e imagens, sons e sensaçoes que num amontoado amealhado pelo contato com o mundo e armazenado a partir da memoria estereognostica, se constroem em corpos organizados. Penso que é algo como Kant permitia pensar. A Razao (eu penso Espirito, Mente, Individualidade) pode construir seus juizos puramente abstratos mas em numero bem reduzido, como os matematicos ou geométricos com validade universal (mas eu penso ainda que limitados em determinados contextos relativos). Mas ha os juizos sintéticos a priori e os a posteriori. Os juizos sintéticos dependem do contato da Razao com a Experiencia, o mundo mental com o mundo material. Sem contato com o mundo o homem nao pode pensar. O isolamento da experiencia empirica deixaria o homem entregue às vicissitudes cotidianas e à sequencia de eventos sem maiores ilaçoes e juizos. Para ajuizar o homem utiliza a razao e passa a organizar sua experiencia criando categorias novas ou utilizando categorias a priori que determinam previamente sua visao de mundo (formas de ver, de pensar, de sentir, ou seja, limites fisico-organicos e cognitivos). Vou formando ideias a partir das experiencias em interaçao com outros seres e com o mundo em geral; ideias que nao serao perenes, mas que estarao sempre em transformaçao dependendo da minha abertura para reconstrui-las.
As ideias sao bases para os ideais e para os idearios.
No oficio de formadora de formadores, ou seja, professora de cursos preparatorios para professores, eu sempre insistia com os alunos acerca da importancia do reconhecimento de idearios diversos e a assunçao de um deles ou de alguns dentro de um mesmo horizonte de fundamentaçao teorica. Assumir um ideario é postar-se conscientemente no mundo e assim intervir com clareza na construçao de ideais segundo possibilidades e condiçoes socio-historicas. Agir sem idearios é estar entregue à idealismos sonhadores ou à pura empiria, onde a experiencia empirica isolada nao compreende a reflexao critica. Apenas ter ideias esparsas e desorganizadas nao permite agir no mundo de maneira consciente e direcionada, mas apenas vagar por opinioes nao fundamentadas e por vezes ao sabor das influencias ideologicas e dos eventos cotidianos aleatorios.
Os ideais sao a fonte de inspiraçao e os alvos de nossos projetos e açoes na busca da construçao de idearios. Muitos entendem ideais na conta de utopias esquecendo que as utopias nao sao apenas nao-lugares, mas como diz Marilena Chaui, sao possiveis eutopias, bons-lugares, que, se podem ser pensados, podem ser realizados, claro que com a consideraçao dialética do contexto. Para Dewey os ideais sao poderosas fontes de estimulo como parametros direcionais de onde queremos chegar, valorosos desde que mediados pela dinamica da experiencia. O que nao se pode é ter ideais nao fundamentados e sonhadores sem o efetivo trabalho de reconstruçao dos mesmos a partir das novas experiencias; o entorno vai mudando, nos vamos mudando e por conseguinte, nossas ideias, idearios e ideais também.
A passagem de ideias velhas para ideias novas, como aprendi com Charles Sanders Peirce, dentro de um horizonte teorico pragmatico, se da na medida em que ideias velhas nao dao conta das situaçoes em que estamos envolvidos; porém ha uma tendencia em manter coesas e incolumes as ideias que sustentam nossas vidas, ou seja nossas crenças. Necessitamos de um evento que disturbe nossas crenças para que elas possam ser revistas e recriadas, mas no ato da recriaçao precisamos de novas ideias, o que nao se pode fazer sem as ideias velhas. Assim nossas mudanças sao a construçao de verdadeiras pontes entre o antes e o agora que almeja o depois. Nao ha como fazer o novo sem o velho.
Toda a reflexao acima foi incitada por uma conversa com uma carissima amiga. Observamos mudanças em instituiçoes educacionais que, à guisa de se modernizarem e adequarem-se aos novos padroes economico-financeiros bem como ideologicos, passam como um trator sobre escombros, dizimando experiencias de décadas e ignorando o acumulo de conhecimentos que permitiram chegar ao ponto atual. Mudar sim, mas nao destruindo totalmente pessoas e projetos que se vinculem ao passado. Trabalhei com uma Diretora de Escola, Maria Helena Machado Guimaraes, a qual sempre reforçava a ideia de que uma escola ideal se alicerçava na tradiçao e na experiencia do passado bem como se projetava no futuro procurando agir com atitude de vanguarda.
Dewey permite pensar que a mudança de pensamento ha sempre de vir, seja pela experiencia reflexiva, ou seja de forma inteligente, ou pela morte, pois quem nao muda pode ja estar morto em vida. Instituiçoes e pessoas que nao mudam, empedernidas numa unica forma de pensar e agir, nao se adaptam inteligentemente ao mundo, e acabam por ser esquecidas, abandonadas em vida ou apos seu desaparecimento. Entao, de maneira nenhuma se defende o aprisionamento a ideias velhas em absoluto, mas se defende a analise criteriosa de quais ideias podem ser sustentaculos do futuro almejado e quais devem ser revistas e, inclusive, descartadas.
Ideias todos construimos. Idearios demandam esforço de estudo e reflexao. Ideais sao fundamentais para nos encaminharmos conscientemente das experiencias reflexivas do ontem, mediadas pelo hoje, em direçao ao amanha de nossos desejos de crescimento e aperfeiçoamento para nos e para todos os que partilham de nossa caminhada.
As ideias sao bases para os ideais e para os idearios.
No oficio de formadora de formadores, ou seja, professora de cursos preparatorios para professores, eu sempre insistia com os alunos acerca da importancia do reconhecimento de idearios diversos e a assunçao de um deles ou de alguns dentro de um mesmo horizonte de fundamentaçao teorica. Assumir um ideario é postar-se conscientemente no mundo e assim intervir com clareza na construçao de ideais segundo possibilidades e condiçoes socio-historicas. Agir sem idearios é estar entregue à idealismos sonhadores ou à pura empiria, onde a experiencia empirica isolada nao compreende a reflexao critica. Apenas ter ideias esparsas e desorganizadas nao permite agir no mundo de maneira consciente e direcionada, mas apenas vagar por opinioes nao fundamentadas e por vezes ao sabor das influencias ideologicas e dos eventos cotidianos aleatorios.
Os ideais sao a fonte de inspiraçao e os alvos de nossos projetos e açoes na busca da construçao de idearios. Muitos entendem ideais na conta de utopias esquecendo que as utopias nao sao apenas nao-lugares, mas como diz Marilena Chaui, sao possiveis eutopias, bons-lugares, que, se podem ser pensados, podem ser realizados, claro que com a consideraçao dialética do contexto. Para Dewey os ideais sao poderosas fontes de estimulo como parametros direcionais de onde queremos chegar, valorosos desde que mediados pela dinamica da experiencia. O que nao se pode é ter ideais nao fundamentados e sonhadores sem o efetivo trabalho de reconstruçao dos mesmos a partir das novas experiencias; o entorno vai mudando, nos vamos mudando e por conseguinte, nossas ideias, idearios e ideais também.
A passagem de ideias velhas para ideias novas, como aprendi com Charles Sanders Peirce, dentro de um horizonte teorico pragmatico, se da na medida em que ideias velhas nao dao conta das situaçoes em que estamos envolvidos; porém ha uma tendencia em manter coesas e incolumes as ideias que sustentam nossas vidas, ou seja nossas crenças. Necessitamos de um evento que disturbe nossas crenças para que elas possam ser revistas e recriadas, mas no ato da recriaçao precisamos de novas ideias, o que nao se pode fazer sem as ideias velhas. Assim nossas mudanças sao a construçao de verdadeiras pontes entre o antes e o agora que almeja o depois. Nao ha como fazer o novo sem o velho.
Toda a reflexao acima foi incitada por uma conversa com uma carissima amiga. Observamos mudanças em instituiçoes educacionais que, à guisa de se modernizarem e adequarem-se aos novos padroes economico-financeiros bem como ideologicos, passam como um trator sobre escombros, dizimando experiencias de décadas e ignorando o acumulo de conhecimentos que permitiram chegar ao ponto atual. Mudar sim, mas nao destruindo totalmente pessoas e projetos que se vinculem ao passado. Trabalhei com uma Diretora de Escola, Maria Helena Machado Guimaraes, a qual sempre reforçava a ideia de que uma escola ideal se alicerçava na tradiçao e na experiencia do passado bem como se projetava no futuro procurando agir com atitude de vanguarda.
Dewey permite pensar que a mudança de pensamento ha sempre de vir, seja pela experiencia reflexiva, ou seja de forma inteligente, ou pela morte, pois quem nao muda pode ja estar morto em vida. Instituiçoes e pessoas que nao mudam, empedernidas numa unica forma de pensar e agir, nao se adaptam inteligentemente ao mundo, e acabam por ser esquecidas, abandonadas em vida ou apos seu desaparecimento. Entao, de maneira nenhuma se defende o aprisionamento a ideias velhas em absoluto, mas se defende a analise criteriosa de quais ideias podem ser sustentaculos do futuro almejado e quais devem ser revistas e, inclusive, descartadas.
Ideias todos construimos. Idearios demandam esforço de estudo e reflexao. Ideais sao fundamentais para nos encaminharmos conscientemente das experiencias reflexivas do ontem, mediadas pelo hoje, em direçao ao amanha de nossos desejos de crescimento e aperfeiçoamento para nos e para todos os que partilham de nossa caminhada.
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